quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O que é Limbus Infantus? Tal conceito lança até jogos eletrônicos

Por Carlos Chagas

A Igreja Católica, na Era Medieval, para tentar explicar para onde vão as crianças mortas e que não foram batizadas, criou o termo "Limbus Puerorum" que significa: Limbus: Margem, orla; e Puerorum: Infantil. Limbus Puerorum é também conhecido como Limbus Infantus ou Limbo Infantil.



Apesar de não fazer parte da regra de fé e dos dogmas católicos como é o dogma do Limbus Patrum (Limbo dos Patriarcas) o conceito do Limbo Infantil em muito influenciou e ainda influencia o pensmento de alguns católicos e até mesmo evangélicos. Por ser uma derivação do Limbo dos Patriarcas, o Limbo Infantil só pode ser entendido à luz do primeiro.

O conceito e compreensão sobre o que seja Limbo Patriarcal nasceu na Escolástica Medieval na tentativa de explicar como ficou a situação dos justos da Antiga Aliança que creram no Messias mas que, devido à marca do pecado original, que, segundo os católicos só pode ser retirada após morte e ressurreição de Cristo e, após o batismo, ainda precisariam de um lugar provisório até o dia do encontro pleno com Deus através de Jesus Cristo.

No caso do Limbo Infantil a tentativa de explicar a situação das crianças do AT e até da Nova Aliança (NT) que morreram e morrem sem o batismo que, para os católicos, representam uma extrema importância para a entrada no céu, se faz relevante. Todavia, como já foi dito, tal teoria não passa de mera crença não-dogmática. Em 2005, o atual Papa Bento XVI convocou cerca de trinta teólogos para rediscutirem a questão do Limbo. Em 2007 a Igreja Católica emitiu um documento que afirma que o Limbo Infantil nunca passou de hipótese e que jamais foi um dogma e que "Deus, no seu grande amor e misericórdia, assegurará que as crianças não batizadas desfrutem da vida eterna com Ele no céu" não diferenciando da Teologia Protestante de linha arminiana. O Papa Bento XVI ainda assegurou que as almas que não praticaram algum pecado considerado pelos católicos como grave vão para o céu, mesmo que não tenham sido batizadas.

LIMBO - Um jogo para testar "Experiência e Morte"

O conceito sobre o Limbus Puerorum serviu de inspiração para Arnt Jensen lançar, pela Playdead, o jogo chamado LIMBO. A história é sobre um garoto anônimo que, de repente, acorda em meio a uma floresta cheia de monstros e com um cenário horripilante que fica à beira do inferno (por isso o título). O objetivo do garoto é encontrar sua irmã que desapareceu e que parece estar no meio desta floresta que, ora possui outras crianças que o atacam, ora apresenta monstros ou super-desafios que o forçam raciocinar e vencer tais obstáculos.




O jogo é uma espécie de Puzzle e tem tido uma grande aceitação no mercado bem como um futuro promissor.

Eu mesmo já joguei este jogo e gostei muito. Por isso o coloco na minha lista de jogos indicados pelo blog "Cristãos Hoje", não só pelo seu desafio como também pela teologia implícita.

Para baixá-lo clique aqui.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Para que existe a Igreja?

Por Carlos Chagas

Às vezes me pergunto: Para que serve a igreja? Sempre me pergunto porque sempre tenho novas respostas. Todavia essas respostas me levam a pensar que a igreja atual pode não estar caminhando seu reto caminho. Pensemos o caso.

1- Jesus reuniu pessoas para pregar de forma íntima seu Evangelho. Sendo assim, nasce a primeira comunidade dos "no Caminho", pois ainda não existia o termo "cristão" que, por sua vez, trará o termo "cristianismo" à tona. Em tal comunidade destaca-se a comunhão. Até no partir do pão eles eram em comum. É só lembrar da Ceia do Senhor.

2- Depois veio a comunidade dos "no Caminho", agora chamada de "Nazarenos". Após a morte de Cristo os discípulos continuaram o trabalho de Jesus discipulando novas pessoas e ainda sim reunindo em orações e cânticos, comungando daquilo que era particular de cada um (At 2.42-47). Até vender propriedades para dar aos pobres era algo comum (At 4.36-37).

Infelizmente, ao olharmos para trás, nasce aquela nostalgia de que hoje já não é assim. Antes se dava ofertas por uma mera comunhão. Hoje é pela bênção divina da prosperidade. Antes todos comiam do mesmo pão, sem sequer dividir em partes. Hoje, se a Ceia do Senhor for celebrada com um cálice apenas muito deixam de ceiar devido ao nojo.

Será que a Igreja atual está no caminho certo? Estamos acolhendo os que são salvos pelo Senhor a cada dia (At 2.47)? E os que já estão salvos? Será que não estão saindo pelas portas dos fundos? Lutamos pela reta justiça ou acobertamos os nossos erros? Investimos nosso dinheiro de forma correta? Preocupamos com pessoas ou com bens?



Nunca; repito: Nunca vi tanto escândalo no meio cristão em toda a história "Depois de Cristo (D.C.)" relacionado ao poder e ao dinheiro como vejo hoje. É apóstolo arrecadando o "trízimo", é missionário juntando patrocinadores, é bispo com dinheiro na cueca quando não consegue ir para Miami para lavar dinheiro como outros crentes o fazem. Aliás, nunca vi tanto título novo igual os dias atuais: De pastor agora temos apóstolos, missionários (em novo sentido) e Paipóstolos!!! Isso se dá porque já desgastaram o título "pastor" por causa dos escândalos. E isso acontecerá novamente. É questão de tempo.

Muitos pregam a salvação pela fé mas têm medo de parar de dar dízimo porque senão vão para o inferno. Como assim? É isso mesmo. Hoje um terreno no céu tem um preço e este é pago em dinheiro. Nome para isso? Indulgência. E se hoje você fala contra isso lhe chamam de rebelde ou dizem que você está julgando o irmão e que isso é errado (sobre julgar o irmão leia outro artigo clicando aqui).

Respondendo a pergunta do título: A Igreja existe pra se ter comunhão com aquilo que é bom, santo e agradável. Para se cultuar pelo que Deus fez ou não fez. Para, acima de tudo, criar novas formas de encarar a vida e buscar a melhor transformação da mesma. Mas para isso a cachorrada deve acabar. E se se para acabar com isso é preciso destruir as igrejas, que seja feito, para que a verdadeira Igreja do Senhor reestabeleça sobre o mal. Amém!!!


sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Crayon Physics Deluxe - Jogo indicado para a família

Por Carlos Chagas

Existem pais que se preocupam com os tipos de jogos que seus filhos jogam no PC ou video-games. Existem adultos que desejam até jogar algum jogo mas sua consciência pesa quando este é por demais violento ou pornográfico. É diante disso e, com alegria, que publico aqui no site um jogo que eu joguei e achei muito bom e desafiador. Ele se chama Crayon Physics Deluxe. Um jogo que parece ser monótono ou sem algum tipo de atrativo, principalmente se for julgado a partir de suas primeiras fases. Todavia, ao ser jogado com mais tempo será percebido que o jogo não é tão simples quanto parece. Assim, o jogo se torna interessante para pais e filhos por estas e outras características.

O jogo é a história de uma maçã que cai da macieira e que tem uma atividade num mundo com forças físicas (o nosso mundo). Esta maçã passa a ser controlada pelo jogador sempre buscando um contato com uma estrela. A cada fase esse contato passa a ser mais e mais difícil. Jogo sem violência e sem qualquer tipo de apelação visual conta com uma gama de possibilidades para a execução de cada fase, o que o deixa com um caráter peculiar e interessante.

Eu mesmo joguei o mesmo e até filmei todas as fases que passei (estão publicadas no meu outro blog - segue o link logo abaixo). Filmei as fases para que todos saibam ao menos uma possibilidade de finalização de cada fase do jogo, mas oriento para que joguem primeiro e só depois assistam aos vídeos para que o jogo não perca a graça.

Apesar deste blog se atentar à teologia e à igreja cristã e seus adeptos, não quer dizer que não pensa no lazer dos mesmos. Além do mais, o jogo se faz pertinente uma vez que propicia maior interação entre a família (pais e filhos). Logo, risadas e a alegria será mais praticada na sua casa com esse jogo e é claro, graças a Deus que lhe deu a vida.

Para baixar o jogo clique aqui (link atualizado) ou caso queira assistir aos vídeos acesse o artigo em meu outro blog clicando aqui.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

"Louvor" chamado "dízimo e oferta" e seu lixo teológico

Por Carlos Chagas

Primeiro assistam ao vídeo por favor:




Assistiu ao vídeo? Deixa eu adivinhar: Você achou que era um vídeo de brincadeira ou "zuação"? Pois então. Eu também achei. Mas não é. O grupo do Adriano Gospel Funk já lançou seu primeiro CD e agora encaram isso como ministério. E já têm até agenda lotada (vejam aqui).

Agora, com toda a sinceridade: Acabei de escutar essa música (ou, para alguns, louvor) e na real, fiquei e ainda estou extasiado. Para ser sincero estou em choque. Fiquei cerca de 3 minutos sem acreditar no que via e escutava. E só depois desse tempo é que começei a tecer estas breves palavras.

Para começar me sinto um lixo nesse momento porque a cada dia que passa levar o título "sou evangélico" fica cada vez mais vergonhoso. Não digo isso pela totalidade do trabalho desses rapazes acima porque boa intenção acredito que eles têm. O que digo ser vergonhoso é ver teologia rala e barata que tais pessoas usam num trabalho que dizem levar a sério. E mais: Ver que vários ministérios os chamam para "ministrarem" seus "louvores".
Deixo claro aqui que a letra dessa música acima é um total lixo teológico. A letra diz que Deus é um Deus de barganhas. Dê que Ele lhe dá em dobro. Tal ideia é sustentada por igrejas brasileiras que são envolvidas nos maiores escândalos religiosos do Brasil (Quer ver um? Clique aqui). Que fique claro também que mesmo nas igrejas de onde vêm os escândalos ainda encontram-se cristãos compromissados. A letra ainda diz que está claro na Bíblia a questão do dízimo! Claro o quê? Que eu dou o dinheiro e Deus me dá em dobro? Hoje todos pensam em dízimo somente em dinheiro, mas poucos sabem que os israelitas dizimavam a Deus os seus produtos arrecadados do seus serviços, ou seja, rebanhos, cereais, etc. Raramente dinheiro em espécie. Agora pense: Se é tão claro na Bíblia, por que não se dizima como ela declara? Respondo: Porque a lavagem cerebral evangélica dos dias atuais não deixa. Porque o dinheiro é melhor.

No Novo Testamento você não vê os apóstolos dizimarem, mas sim darem 100% de seus pertences! Vejam o que Barnabé fez (At 4.36-37) e como era a vida dos discípulos (At 2.44-45). Dízimo é Lei. Amor é necessidade. 10% é obrigação. Seu 100% é necessidade. E não é só dinheiro, mas sua integralidade. Não quer dizer que você necessita ser pobre para ser salvo ou salvar, todavia é necessario seu critério de vivência em comunidade (sociedade).

Fico aqui me perguntando até quando o povo vai continuar seguindo a um Deus que só oferece materiais. O Evangelho da Graça e do serviço vai, a cada dia, esvaecendo do meio do povo de Deus. Fico me perguntando até quando líderes continuarão a pregarem esse lixo teológico na TV, e em CD's também.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Judaísmo: Seu surgimento, doutrina, vida religiosa e teologia

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma cópia literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pelas figuras. Os méritos são dos autores.

A palavra judeu deriva de Judéia, nome de uma parte do antigo reino de Israel. Judaísmo reflete essa ligação. A religião é chamada ainda de "mosaica", já que se considera Moisés um de seus fundadores.

O Estado de Israel define o judeu como "alguém cuja mãe é judia e que não pratica nenhuma outra fé". Aos poucos essa definição foi ampliada para incluir o cônjuge.

O judaísmo não é apenas uma comunidade religiosa, mas também étnica. Historicamente, o termo judeu tem conotações raciais, porém estas são inexatas. Existem judeus de todas as cores de pele.

O PACTO DE DEUS COM O POVO ESCOLHIDO

Uma das características do judaísmo é ser uma religião intimamente ligada à história. As narrativas da Bíblia se baseiam numa crença bem definida de que Deus fez uma aliança especial, um pacto com seu povo escolhido, o povo hebreu.

As narrativas bíblicas começam com Adão e Eva e uma série de relatos dramáticos que ilustram as conseqüências da inclinação pecaminosa do ser humano e de seu desejo de se rebelar contra Deus. Adão e Eva são expulsos do paraíso. Mais tarde, o mundo inteiro é destruído por um grande dilúvio, do qual se salvam apenas Noé e sua família, juntamente com todos os animais da Terra. Sodoma e Gomorra, cidades sem Deus, são aniquiladas, e a torre de Babel é derrubada, pois representam a tentativa humana de chegar até o céu.

Cada evento histórico é visto pelos autores da Bíblia como uma expressão da vontade de Deus.

De Abraão a Moisés

A fase histórica seguinte teve início quando Abraão saiu da cidade de Ur, localizada no atual Sul do Iraque, por volta de 1800 a.C. O Gênesis relata que Deus disse a Abraão: "Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo". Esse povo ganhou um nome após a dramática batalha de Jacó, neto de Abraão, com um anjo de Deus. O anjo então lhe deu o nome de Israel (o que venceu a Deus). Mais tarde, os doze filhos de Jacó geraram as doze tribos de Israel.

A história de José, um dos filhos de Jacó, narra como os israelitas foram parar no Egito, onde foram escravizados pelos faraós. A Bíblia conta de que maneira Moisés os tirou dali e, depois de quarenta anos errando no deserto, levou-os a Canaã, a Terra Prometida.

Durante a travessia do deserto Deus — Javé — deu a Moisés, no monte Sinai, as duas tábuas da Lei com os dez mandamentos a que os israelitas deveriam obedecer. Dessa forma, fez-se um pacto segundo o qual os israelitas deveriam reconhecer a existência de um só Deus, e em troca se tornariam o povo escolhido de Deus. Receberiam sua ajuda e seu apoio, desde que cumprissem o que lhes cabia no acordo e obedecessem às leis de Deus.

Por volta do ano 1200 a. C, os israelitas conquistaram parte de Canaã e por muito tempo viveram lado a lado com os habitantes não israelitas. Seus líderes políticos e religiosos eram os chamados "juizes", que procuravam cuidar de que o povo respeitasse as leis dadas por Deus. Foi também por causa da guerra contra os filisteus que surgiu a necessidade de um poder político centralizado.

O Reino de Israel

Saul introduziu a monarquia por volta do ano 1000 a. C, mas ela alcançou o apogeu durante os reinados de Davi e Salomão, quando Israel se tornou uma grande potência política. Davi, nascido em Belém, foi o grande rei que lutou contra os inimigos e uniu as doze tribos, sob sua liderança, em Jerusalém. A Arca da Aliança — uma arca contendo os dez mandamentos e que, segundo a tradição, os israelitas haviam trazido consigo do Sinai — foi então transportada para a nova capital. Ali, puseram-na no santuário interno do novo Templo, quando Salomão, filho e sucessor de Davi, o construiu no século X a. C,

O grande Templo de Jerusalém incluía um recinto fechado, o Santo dos Santos, contendo oferendas de incenso e os pães da proposição, e um vestíbulo externo onde se faziam os sacrifícios. Os sacerdotes do Templo estavam encarregados desses sacrifícios, que poderiam ser oferendas de animais ou frutos da colheita. O culto era acompanhado por canções e hinos — os chamados Salmos de Davi, que podemos ler na Bíblia. Os sacrifícios, que eram em parte uma oferenda a Deus, em parte uma expiação pela culpa, deviam ser feitos segundo regras estritas.

É possível que aos poucos as pessoas tenham começado a sentir tais sacrifícios como mecânicos, ao mesmo tempo que a liderança do país dava sinais de decadência moral e política. Isso provocou a severa condenação dos profetas. Entre eles, destaca-se Amós, profeta que viveu por volta de 750 a.C. Em suas prédicas ele atacava os males sociais, como, por exemplo, a opressão dos pobres pelos ricos. Além de Amós, vários outros profetas deram mais peso à justiça e aos ideais éticos do que às práticas rituais do culto sacrificial.

O Exílio na Babilônia

Os profetas advertiam o povo do juízo e da punição de Deus, porque as pessoas não estavam vivendo de acordo com as leis divinas. Muitos profetas viam o declínio e a destruição do poder do país como um justo castigo para isso. O reino foi então dividido em dois, um reino do Norte (Israel) e um do Sul (Judá), tendo Jerusalém como capital. Em 722 a. C, o reino do Norte foi devastado pelos assírios e a partir daí deixou de ter significado político e religioso.

O reino do Sul foi conquistado pelos babilônios em 587 a.C. Grande parte da sua população foi deportada para o exílio na Babilônia. Entretanto, em 539 a.C. os que desejavam voltar para a terra natal obtiveram permissão para isso, e daí em diante se tornaram conhecidos como judeus (palavra derivada de Judá e Judéia).

O Judaísmo e a Sinagoga

Foi depois do retorno da Babilônia que começou a se desenvolver a religião que costumamos chamar de judaísmo. O núcleo do judaísmo era a vida na sinagoga, local de culto onde os fiéis se reuniam para orar e ler as escrituras. Esse tipo de serviço religioso surgira por necessidade durante o exílio babilônico, uma vez que ali os judeus não tinham um templo onde orar. Ao voltar do exílio, eles continuaram praticando esse serviço nas sinagogas, que foram construídas em diversas cidades. Nestas, uma função relevante era exercida pelos leigos versados nas escrituras, os quais zelavam por elas, e buscavam interpretá-las e explicá-las. Não tardou que a maioria desses homens instruídos passassem a vir das fileiras dos fariseus.

Os fariseus davam muita importância à Lei escrita nos cinco primeiros livros de Moisés — o Pentateuco —, e também às normas relativas à limpeza e ao asseio; procuravam interpretar a Lei segundo as novas condições que prevaleciam. Nessa época, o papel do Templo já se tornara secundário.

O grande Templo de Jerusalém, destruído durante a conquista babilônica de 587 a.C., foi reerguido em 516 a.C. O sumo sacerdote, os demais sacerdotes e os levitas a eles subordinados eram responsáveis pelo culto, que compreendia o sacrifício diário de um cordeiro em expiação pelos pecados do povo. Após o exílio babilônico, o sumo sacerdote se tornou líder do Sinédrio, o conselho dos anciãos, que mais tarde incluiu ainda representantes dos homens mais instruídos.

Nessa época, os judeus caíram seguidas vezes sob o domínio político estrangeiro. No ano 70 d.C., uma revolta contra os romanos levou ao saque de Jerusalém. O Templo, que recentemente fora ampliado e transformado num esplêndido edifício pelo rei Herodes, foi outra vez arrasado; isso selou o fim do papel desempenhado pelos antigos sacerdotes. Dessa época em diante, foi o novo formato de judaísmo, centrado nas sinagogas, que passou a predominar. Muitos judeus estavam agora dispersos pelas terras do Mediterrâneo ou ainda mais longe. Eram chamados de judeus da Diáspora, palavra grega que quer dizer "dispersão".

UM POVO CULTO, PORÉM PERSEGUIDO

Em várias ocasiões os judeus assumiram um papel de liderança nos países onde se estabeleceram. A cultura judaica conheceu um apogeu na Espanha dos séculos XII e XIII. Aí um de seus maiores filósofos foi o rabino Moisés ben Maimón (Maimônides), que escreveu várias obras e resumiu os ensinamentos judaicos nos Treze princípios da fé judaica. Nesse país floresceu também o misticismo
judaico, a cabala (ou "tradição").

Contudo, desde a Baixa Idade Média até hoje os judeus vêm sofrendo perseguições (Quer uma lista delas? Clique aqui). Em diversos períodos a sociedade cristã os acusou pelo assassinato de Jesus e considerou o destino desse povo uma punição. Os judeus foram deportados da Inglaterra e da França nos séculos XIII e XIV; na Espanha, começaram a ser perseguidos no século XV e acabaram expulsos em 1492. Na Noruega, uma lei aprovada em 1687 negava a qualquer judeu o acesso ao país sem permissão especial, e a Constituição norueguesa de 1814 conservou esse embargo. A "cláusula judaica" só foi anulada em 1851.

Sem dúvida, a pior de todas as perseguições sofridas pelos judeus ocorreu na Alemanha entre 1933 e 1945. Acredita-se que 6 milhões de judeus foram exterminados durante o regime nazista. Fazia muito tempo que os judeus vinham tendo uma participação proeminente na vida cultural da Europa Central, como artistas, cineastas, escritores e cientistas. Também havia jornais e livros, filmes e peças de teatro que circulavam em iídiche, língua semelhante ao alemão mas escrita com caracteres hebraicos, falada por muitos judeus.

Mesmo nos períodos em que não havia perseguição direta, com freqüência os judeus eram tratados como párias sociais. Eles eram forçados a adotar nomes facilmente reconhecíveis e a morar em áreas especiais da cidade, os chamados guetos. Numa época em que a agricultura consistia no meio mais comum de subsistência, era-lhes proibido possuir terras, o que os impeliu a se destacar no comércio. Diferentemente dos muçulmanos e dos católicos, sua religião lhes permitia ganhar juros emprestando dinheiro, e muitos deles se tornaram importantes banqueiros.

AS EXPECTATIVAS MESSIÂNICAS E O SIONISMO

Durante milhares de anos os judeus esperaram um Messias que viria criar um reino de paz na Terra. As raízes históricas dessa expectativa datam da idade de ouro de Israel, no reinado de Davi, quando os reis eram ungidos ao subir ao trono. Na verdade, a palavra Messias significa "o ungido". Desde a época do exílio babilônico os judeus alimentaram a esperança e a crença de que chegaria um Messias, um novo rei saído da linhagem de Davi. Esse rei ideal iria restabelecer Israel como uma grande potência, e seu povo passaria a viver em eterna felicidade.

Até hoje a expectativa da chegada do Messias continua viva em muitos judeus. Mas nem todos pensam no Messias como uma pessoa; falam, em vez disso, numa futura "era messiânica": um estado de paz na Terra, no qual Israel assumiria um papel de destaque. Alguns judeus acreditam que a fundação de Israel, em 1948, cumpriu as expectativas messiânicas que seu povo conservou de geração em geração.

A fundação do Estado de Israel constituiu a culminância de um longo processo cujos primeiros passos foram dados no final do século XIX, quando muitos judeus começaram a falar sobre a possibilidade de voltar para sua antiga pátria. Isso representou o reforço palpável de um antigo desejo, que é repetido pelos judeus todos os anos na Páscoa: "No ano que vem em Jerusalém". O escritor e jornalista Theodor Herzl (1860-1904), em seu influente livro O Estado judaico, argumentava que, como nem a integração e assimilação dos judeus aos países onde viviam conseguira acabar com a perseguição a eles, a única solução seria lhes dar um Estado próprio. Essa idéia foi chamada de sionismo, palavra vinda de monte Sião, colina sobre a qual Jerusalém foi parcialmente construída.

Naquela época havia apenas cerca de 25 mil judeus vivendo na Palestina; a partir daí, porém, iniciou-se uma considerável onda de imigração, em especial de judeus russos. Mas os planos para fundar um país próprio progrediam devagar, em parte porque na época a Palestina era uma colônia britânica. Entretanto, a perseguição nazista aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial gerou uma situação inteiramente nova. Terminada a guerra, a nova República de Israel foi proclamada em 1948. Muitos antigos sionistas desejavam criar um Estado laico, secular, mas os judeus ortodoxos conseguiram realizar seu desejo de que o país fosse fundado com base na religião judaica.

Esse novo Estado tem vivido em contínuo conflito com o mundo árabe, também por causa dos milhares de palestinos que foram deslocados na época da fundação de Israel.

Desde sua criação, Israel já recebeu imigrantes judeus vindos de todos os cantos do mundo, que trouxeram ao país uma variedade de idéias e tradições.

AS SAGRADAS ESCRITURAS

O livro sagrado dos judeus é a Bíblia, uma coleção de textos de natureza histórica, literária e religiosa. A Bíblia judaica equivale ao Antigo Testamento, porém é organizada de maneira um pouco diferente. O cânone judaico foi fixado por um concilio em Jabne por volta de 100 d.C. Compreende 24 livros, divididos em três grupos:

  • A Lei (Torá) — o Pentateuco, ou os cinco livros de Moisés
  • Os profetas (Neviim) — os livros históricos e proféticos
  • Os escritos (Ketuvim) — os demais livros

Se tomarmos as letras iniciais dessas três partes, veremos que formam o acrônimo Tenakh , que é o nome judaico comum para a Bíblia. Na verdade, a palavra Bíblia vem do termo grego que significa "livros".

A Lei (Torá)

Na época de Cristo, os cinco livros de Moisés (ou Pentateuco) eram considerados pelos judeus uma só entidade e chamados de "A Lei", pois continham as normas judaicas legais e morais, assim como as regras relativas ao culto. A divisão em cinco livros data de sua tradução para o grego, que foi feita com base no original hebraico por volta de 200 a.C.

Os cinco livros de Moisés não foram escritos por um único autor do início ao fim. A miríade de histórias que neles se encontra foi, por muito tempo, transmitida sobretudo oralmente. Os livros de Moisés compreendem, portanto, um complexo conjunto de textos escritos durante um longo período, num processo que se completou por volta de 400 a.C.

Os livros históricos e proféticos

E típico desses livros considerar os acontecimentos políticos uma expressão das relações entre Deus e os israelitas, sob circunstâncias variadas. Toda a história de Israel é apresentada como um exemplo da lei da justa retribuição: a conformidade com a vontade de Deus traz bênçãos para seu povo, com tanta certeza como a desobediência e a apostasia (o abandono da religião) levam a um julgamento severo e à dor. O destino de Israel é constantemente interpretado à luz das exigências divinas. Assim, tais livros podem ser lidos como uma justificativa para a destruição do Templo de Jerusalém e para o exílio de grande parte da população na Babilônia.

Trata-se da mais antiga história escrita de que há registro no mundo. Esses livros surgiram muito antes de haver algo como a história comparada ou a análise das fontes.

No entanto, o objetivo dos livros históricos do Antigo Testamento não era propriamente registrar a história, e sim dar a ela uma interpretação religiosa.

Dois dos livros históricos receberam nomes de mulher. Os livros de Rute e de Ester são histórias curtas e belas, com mulheres no papel principal.

Os livros proféticos são Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze Profetas Menores, assim chamados por causa da brevidade de suas obras; Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque,
Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

Segundo seu próprio testemunho, os profetas foram chamados para proclamar a vontade de Deus. Muitas vezes eles usam a fórmula "Assim diz o Senhor".

Ao transmitir uma mensagem, por exemplo, vinda de um rei, o mensageiro a iniciava com as palavras "Assim diz o rei". Desse modo, deixava claro que não estava falando por si mesmo. Esse preâmbulo funcionava como uma assinatura ou o carimbo de uma carta na época moderna. Da mesma forma, os profetas acreditavam que tinham sido enviados por Deus para levar a mensagem dele ao povo.

Se as pessoas não vivessem segundo as exigências feitas por esse Deus justo, ele iria, segundo os profetas, distribuir seu julgamento e aplicar seu castigo.

Um bom exemplo da pregação desses profetas é a de Amós, o profeta mais antigo da Bíblia, que viveu por volta de 750 a.C. Seu ataque contra o abandono da maneira correta de adorar a Deus, bem como suas críticas à desigualdade social e à opressão dos ricos sobre os pobres, continua despertando interesse até hoje. Amós chega a ponto de mostrar os pobres e oprimidos como os verdadeiros justos, em oposição aos ricos.

Na verdade, vários profetas davam mais ênfase à justiça e aos ideais éticos do que às demonstrações externas do culto sacrificial. "Que me importam vossos inúmeros sacrifícios?, diz Iahweh." "Basta de trazer-me oferendas vãs: elas são para mim um incenso abominável." "Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem" (de Isaías 1).

Assim como as profecias prediziam que haveria um julgamento severo sobre Israel, elas previam também a salvação. Essas promessas, palavras de consolação, afirmavam que Deus haveria de salvar do julgamento e da destruição alguns "remanescentes" de seu povo, e enviar um príncipe ou rei da paz, vindo da linhagem de Davi, que faria Israel reviver e o conduziria a um futuro feliz. Tais profecias são particularmente numerosas em Isaías, nos capítulos 7, 9 e 11: "O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria como a da morte".

Um terceiro tipo de voz profética é a exortação, representando algo intermediário entre os dois outros tipos de profecia. Aqui, o caminho está aberto para que as pessoas se salvem do julgamento divino, desde que se arrependam e vivam de acordo com a vontade de Deus: "Procurai o bem e não o mal para que possais viver, e, deste modo, Iahweh, Deus dos Exércitos, estará convosco, como vós o dizeis! Odiai o mal e amai o bem, estabelecei o direito logo à porta; talvez Iahweh, Deus dos Exércitos, tenha compaixão do resto de José" (Amós 5,14-15).

Os Escritos Poéticos

Entre os textos poéticos do Antigo Testamento, foram os Salmos que tiveram maior significado histórico. A maioria dos 150 salmos foi escrita na época dos reis, isto é, antes da destruição de Jerusalém em 587 a.C. Foram compostos sobretudo para os serviços do Templo e as grandes festas do Templo em Jerusalém. Mas também há exemplos de salmos que os israelitas dizem em suas orações individuais. Com base em seu conteúdo, podemos dividir os salmos em vários tipos. Os três mais importantes são os cânticos de louvor (hinos), de lamentação (orações) e de ação de graças.

O fato de cerca de metade dos salmos serem atribuídos a Davi não quer dizer que tenha sido realmente ele o autor. Vários salmos são mais recentes. A expressão "de Davi" também pode significar "pertencente a Davi" ou "para o rei Davi". Mesmo assim, é possível que alguns dos salmos mais antigos tenham sido escritos pelo próprio rei Davi.

O Livro de Jó é considerado por muitos uma "jóia da literatura mundial". Com seu suspense e sua construção quase novelesca, ele aborda o significado do sofrimento e da justiça de Deus. Jó é um homem justo e temente a Deus, que é posto à prova por Satã, com o consentimento de Deus. Ele então perde tudo o que possuía, e sua vida fica em ruínas. Em seu infortúnio, Jó clama contra Deus. Por que um homem justo como ele haveria de sofrer um destino tão terrível? Deus responde que o homem não tem o direito de ir contra a vontade de seu Criador; na verdade, não tem direito algum em relação a Deus. O livro termina com Jó aceitando seu destino e se submetendo a Deus — levando dessa maneira a que o vencedor da "aposta" seja Deus, e não Satã. No final, Jó não só consegue reaver todas as suas posses, como vê que elas foram "redobradas" por Deus.

A mais recente das escrituras do Antigo Testamento é o Livro de Daniel, escrito por volta de 165 a.C. Faz parte da literatura apocalíptica característica daquele período. A palavra apocalíptico vem
de um termo grego que significa "descobrir" ou "revelar". Aqui, indica uma literatura que irá desvelar ou revelar o plano de Deus para o mundo.

O Talmud — Comentários sobre a Lei

Além da Torá escrita, os judeus também tinham regras e mandamentos transmitidos oralmente. Segundo a tradição judaica, no monte Sinai, Moisés recebeu não apenas a "Lei escrita" de Deus, mas ainda a "Lei falada". Era proibido escrever a Lei falada, pois esta deveria ser adaptada às condições reais de vida em diferentes lugares e épocas. Porém, depois que os judeus se dispersaram pelo mundo, surgiu o medo de que a Lei falada se perdesse. Assim, decidiu-se registrá-la por escrito, o que foi feito nos séculos que se seguiram à destruição de Jerusalém. Esse material se chama Talmud, palavra hebraica que significa "estudo". O Talmud contém leis, regras, preceitos morais, comentários e opiniões legais, mas também histórias e lendas que discutem esse conteúdo. É bem sabido que o Talmud não é, em si, um livro de ensinamentos, e sim um texto usado pelos rabinos em seus ensinamentos, para orientação dos fiéis em situações concretas.

A NOÇÃO DE DEUS

O credo judaico é: "Ouve, ó Israel: Iahweh nosso Deus é o único Iahweh!" (Deuteronômio 6,4).

Esse credo, que é repetido pelos judeus devotos todas as manhãs e todas as noites de sua vida, mostra que o judaísmo é uma religião monoteísta. Deus, o Deus único, é o criador do mundo e o senhor da história. Toda vida depende dele, e tudo o que é bom flui dele. E um Deus pessoal, que se preocupa com as coisas que criou.

Quem é Deus — ou o que é Deus — é algo que não pode ser expresso em palavras. O nome de Deus é representado pelas letras IHVH, um acrônimo que em hebraico significa "eu sou quem sou". Esse acrônimo costuma ser lido como "Jeová" ou "Javé", porém o nome real é tão sagrado que sempre se usa algum sinônimo, como "o Senhor" ou "o nome".

Jeová é o criador e sustentador do mundo. A idéia de que Deus possa não existir é alheia a um judeu. Elie Wiesel, que recebeu o prêmio Nobel da Paz, sintetizou: "Você pode ser a favor de Deus ou
contra Deus, mas não pode ser sem Deus".

O fato de que Deus é um e apenas um se reflete também na existência humana. Toda a vida de um homem deve ser consagrada. Não há linha divisória que separe o sagrado do profano. Honra-se ao Senhor também na vida secular. A tarefa mais importante do homem é cumprir todos os seus deveres para com Deus e para com seus semelhantes.

A sinagoga e o Shabat

Numa sinagoga não há imagens religiosas nem objetos no altar, pois as imagens são proibidas (é o segundo mandamento). O ponto focal de uma sinagoga judaica é, pois, a Arca, uma espécie de armário que fica na parede oriental, na direção de Jerusalém. Ali se guardam os rolos da Torá, escritos em pergaminho. Como sinal de respeito, esses rolos costumam ser envoltos numa capa de seda, veludo ou outro material nobre, e decorados com sinos, uma coroa e um escudo de metal precioso. Mantém-se sempre uma lâmpada ardente diante da Arca.

No serviço da sinagoga das manhãs de sábado há um grande cerimonial em torno da leitura da Torá. Abre-se a Arca, e os rolos são levados ao redor da sinagoga até o altar. Ali se lê um trecho do texto em hebraico. A leitura da Torá também é feita às segundas e quintas-feiras; desse modo, no decurso de um ano se lê o cânone inteiro. Além da leitura da Torá, o serviço contém orações, salmos e bênçãos, todos contidos num livro especial chamado Sidur. A oração mais importante são as Dezoito Bênçãos, que tem mais de 2 mil anos. Outro foco importante é o credo, o Shemá.

Um cantor sacro, membro leigo da congregação, dirige o serviço. No entanto, o sermão e o ensino da Lei são responsabilidade do rabino, sempre um homem instruído e de alta escolaridade, que cada congregação nomeia separadamente.

Os serviços da sinagoga podem ser realizados diariamente, três vezes por dia, contanto que dez homens adultos estejam presentes. O status de adulto é concedido pela cerimônia do Bar Mitsvá, quando o menino faz treze anos. As mulheres não desempenham parte ativa no serviço e são segregadas nas congregações ortodoxas, ficando em geral numa galeria separada, juntamente com as crianças.

As três orações diárias também são ditas em casa. A religião ocupa lugar de relevo num lar judaico, e aí as mulheres assumem um papel ativo, particularmente no Shabat (sábado) e nas grandes festas.

O Shabat dura desde o pôr-do-sol de sexta-feira até o pôr-do-sol de sábado. A base para a observância do Shabat se encontra na história da criação do mundo: no sétimo dia Deus descansou. Por isso, o homem também deve descansar nesse dia. O sábado se tornou uma festa semanal de renovação, a festa do lar e da família. A esposa, que sempre foi um fator decisivo na preservação dos costumes judaicos, abençoa e acende as velas do Shabat na mesa já posta. O marido abençoa o vinho e corta o pão especial do Shabat. A participação no jantar de Shabat é sagrada e tem grande importância para a união da família judaica.

Kosher — Regras alimentares estritas

Os judeus têm regras detalhadas para a alimentação, normas cujas origens se encontram na Bíblia. Os alimentos que podem ser comidos são chamados kosher, palavra que originalmente significava "adequado" ou "permitido".

A carne só pode provir de animais que ruminam e têm o casco partido, o que exclui o porco, o camelo, a lebre, o coelho e outros. Das aves, podem-se comer as não-predatórias. Dos peixes, são kosher apenas os que possuem escamas e barbatanas; logo, estão eliminados polvos, lagostas, mariscos, caranguejos, camarões etc.

Os animais e as aves que não podem ser comidos são denominados impuros; tampouco se podem comer seus ovos ou beber seu leite.

Toda comida feita de sangue também é proibida, já que a vida está no sangue. Assim, é importante que ao abater os animais, seja extraído deles o máximo de sangue possível. O restante é retirado com água e sal. Os animais devem ser abatidos por um especialista, sob superintendência rabínica, da maneira mais rápida e indolor. É proibido comer qualquer carne que não tenha sido obtida de um animal abatido segundo as regras.

As frutas e verduras são todas kosher, bem como a maioria das bebidas alcoólicas e não alcoólicas. A exceção são as bebidas feitas de uva (vinho e conhaque), que devem vir de produtores judeus e ser cuidadosamente rotuladas.

Além dessas regras, os judeus têm um costume especial que proíbe comer derivados de leite juntamente com derivados de carne. Se o cardápio contém bife, o molho não deve conter manteiga, nem se deve terminar a refeição com café com leite, creme ou sorvete. Para garantir que esses dois tipos de alimentos não se misturem, os judeus ortodoxos usam dois conjuntos de utensílios de cozinha, um para leite e outro para carne. Eles devem ser lavados em bacias separadas e enxutos com diferentes panos e toalhas. Algumas pessoas chegam a ter duas geladeiras e duas lavadoras de louça.

Ética judaica

Os judeus não fazem distinção nítida entre a parte ética e a parte religiosa de sua doutrina. Tudo pertence à Lei de Deus. Existem 248 ordens afirmativas e 365 proibições, totalizando 613 mandamentos. Além desses mandamentos, a vida do judeu é regulada por muitos costumes e práticas que surgiram ao longo da história. Diz-se que um costume judaico é tão obrigatório quanto uma lei. 

O judaísmo dá destaque a uma série de qualidades eticamente boas: generosidade, hospitalidade, boa vontade para ajudar, honestidade e respeito pelos pais. Um princípio fundamental é não fazer mal aos outros, ou, de maneira afirmativa: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Levítico 19,18).

Muitos judeus dão um dízimo (10%) de sua renda para causas dignas, mas as doações podem ser grandes ou pequenas. A Bíblia exige que sejam dados de presente aos pobres os frutos da terra. Desde os tempos antigos era hábito não colher o que desse nos cantos dos campos, para que os pobres pudessem ali entrar e colher para si. Do mesmo modo, parte das azeitonas e das uvas era deixada nas árvores e nos vinhedos para ser apanhada pelos pobres.

A palavra usada na Bíblia para se referir a ajuda aos pobres é justiça. Dar esmolas não é fazer caridade, e sim cumprir o dever de combater a pobreza, baseado nas palavras de Deus: "Jamais haverá nenhum pobre entre vós". A exigência de justiça tem lugar proeminente na ética e inclui, além dos pobres, também os fracos (viúvas e órfãos) e os estrangeiros: "O estrangeiro que habita convosco será para vós como um compatriota, e tu o amarás como a ti mesmo, pois fostes estrangeiros na terra do Egito" (Levítico 19,34).

Como há muitos mandamentos, é natural que em certas circunstâncias eles entrem em conflito. Quando isso acontece, a vida humana está acima de tudo. Por exemplo, uma vida humana deve ser
salva mesmo que isso quebre as leis do Shabat.

FASES DA VIDA

Os judeus têm costumes muito antigos relativos ao ciclo da vida: nascimento, juventude, casamento e enterro.

Circuncisão

Oito dias após o nascimento os meninos são circuncidados, conforme o mandamento da Torá: "Deveis circuncidar a pele do prepúcio, e este será o sinal da aliança entre nós. Cada varão dentre vós, em cada geração, será circuncidado no oitavo dia". A circuncisão é feita por um especialista. Os padrinhos levam a criança até o "representante", que a segura durante a cerimônia. Esta é acompanhada de orações, e a criança recebe formalmente seu nome. E uma cerimônia religiosa realizada numa atmosfera de alegria e celebração. Costuma ser seguida por uma refeição festiva.

A menina também recebe seu nome formalmente na sinagoga uma semana depois do nascimento. Seu pai é chamado até a Torá, e se faz uma oração pela mãe e pelo bebê.

Bar Mitsvá e Bat Mitsvá

Aos treze anos o menino judeu se torna um Bar Mitsvá, expressão em hebraico que significa "filho do mandamento". Isso acontece na sinagoga, no primeiro sábado após seu 13° aniversário. Durante o ano precedente ele deve ter aulas com um rabino ou outra pessoa instruída, para aprender as leis e os costumes judaicos. Deve também aprender o trecho da leitura da Torá que será feita no sábado em questão. Quando chega o dia, ele deve se levantar e ler alto seu texto, cantando-o conforme o costume. Isso confirma que ele passou a ser um membro pleno da congregação, com todas as responsabilidades que daí decorrem. Depois da cerimônia é hábito oferecer uma festa para a família e os amigos.

Uma menina se torna automaticamente Bat Mitsvá (filha do mandamento) quando completa doze anos. Costuma-se celebrar esse fato no primeiro sábado após seu 12° aniversário. Para isso ela prepara algumas palavras que deve dizer com a bênção (o kidush) depois do serviço. Por volta dos quinze anos as meninas aprendem o principal da história e dos costumes judaicos, particularmente as regras alimentares, que são responsabilidade da mulher.

Casamento

A família desempenha um papel muito especial no judaísmo. É dela que os judeus recebem sua identidade cultural e sua educação básica. O casamento é considerado o modo de vida ideal, instituído por Deus, e é o único tipo de coabitação permitido. Um judeu tem por obrigação casar com uma pessoa judia, porém os casamentos mistos estão se tornando cada vez mais comuns, o que vem causando certos problemas na comunidade judaica.

Alguns dias antes do casamento a mulher deve tomar um banho ritual. No dia do casamento, o noivo e a noiva ficam em jejum até o final da cerimônia. O casamento pode ser celebrado em qualquer lugar, mas normalmente acontece na sinagoga, debaixo de uma espécie de toldo (hupá) que simboliza o céu. Em geral é um rabino que realiza a cerimônia e lê as bênçãos e exortações. Os noivos então compartilham de um mesmo copo de vinho, como sinal de que irão dividir tudo o que a vida lhes trouxer. Em seguida, o noivo põe a aliança no dedo da noiva, dizendo em hebraico: "Eis que tu és consagrada a mim por esta aliança, segundo a Lei de Moisés e de Israel".

Nesse ponto a ketubá é lida e entregue à noiva. A ketubá consiste no contrato de casamento, que é assinado pelo noivo antes da cerimônia e reúne todos os seus deveres para com a noiva.

Até aí a cerimônia não passou da formalização de um compromisso, mas tradicionalmente a formalização do compromisso já está incluída na própria cerimônia. O casamento propriamente dito começa com a leitura de sete bênçãos especiais; depois disso o casal toma vinho mais uma vez. O noivo então quebra um copo com o pé, em memória da destruição do Templo. Após o casamento os noivos são levados a um quarto particular, onde podem quebrar o jejum, e ficar a sós. Nos círculos estritamente ortodoxos, esta será a primeira vez que isso acontece. No fim da cerimônia, costuma-se oferecer uma grande festa e uma refeição comemorativa.

O divórcio é permitido, mas para que seja legítimo, deve ser sancionado por um tribunal rabínico e selado pelo marido, que dá à esposa a carta de divórcio.

Enterro

O enterro deve ocorrer o mais rápido possível depois da morte, em consideração às condições do corpo. A cremação não é permitida. 0 corpo do falecido é lavado, vestido com uma roupa branca simples e colocado num caixão de madeira sem ornamentos. Os homens são enterrados com seu xale de oração.

Não se usam flores nem música na cerimônia, que é realizada pelo cantor sacro. Ele joga três pás de terra sobre o caixão enquanto recita: "O Senhor dá e o Senhor tira — bendito seja o nome do Senhor". O rabino faz um discurso em memória do morto, e os filhos homens, ou o parente mais próximo do sexo masculino, recitam uma oração — o Kadish. Após o funeral, a família fica de luto por uma semana. No aniversário da morte, todos os anos, os parentes mais próximos acendem uma vela na sepultura e lêem o Kadish.

Os judeus têm muito apreço por seus cemitérios e os tratam com grande respeito. É aí que os mortos irão descansar até a ressurreição.

FESTIVAIS ANUAIS

As festas judaicas são associadas ao calendário judaico e em geral têm uma base histórica. Os judeus contam o tempo em relação à criação do mundo, a qual, segundo nosso calendário, ocorreu em 3761 a.C. O calendário se apóia no ano lunar e tem doze meses de 29 ou trinta dias, com 354 dias ao todo. Acrescenta-se um mês extra sete vezes durante cada ciclo de dezenove anos, para alinhar o ano lunar pelo ano solar; com esse arranjo, as datas festivas mudam de ano em ano, do mesmo modo que a Páscoa cristã. Três delas são festas de peregrinação, com raízes no antigo Israel. Eram ocasiões em que todos os homens deviam fazer uma peregrinação ao Templo de Jerusalém, levando seus sacrifícios. Algumas outras festas se fundamentam em acontecimentos históricos.

O Ano-Novo (Rosh ha-Shaná, em hebraico) é celebrado em setembro ou outubro. No mês anterior, todos os judeus procuram cuidar especialmente bem de suas obrigações religiosas e praticar atos de caridade. E uma data em que cada um deve se concentrar na auto-análise e no arrependimento, refletindo sobre suas ações e tentando melhorá-las. Mas os festejos do Ano-Novo também comemoram Deus como criador e rei. O serviço religioso do Ano-Novo contém orações em que predomina o arrependimento. Uma parte do ritual consiste em tocar um chifre de carneiro. Este simboliza o carneiro que Abraão sacrificou no lugar de Isaac e lembra, portanto, a compaixão divina. Uma grande refeição festiva é preparada nas casas, com diversos pratos simbólicos. É hábito comer maçãs mergulhadas no mel, enquanto os convivas fazem votos de que todos tenham "um ano bom, um ano doce".

O Dia do Perdão, ou Iom Kipur (dia da expiação), termina o período de dez dias de arrependimento iniciado no Ano-Novo. Tradicionalmente, no antigo Israel, o Dia da Expiação era o único dia do ano em que o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos, o recinto mais sagrado do Templo. Isso se dava após o sacrifício de um carneiro, como sinal de expiação pelos pecados do povo. Hoje em dia os pecados são confessados na sinagoga e o indivíduo pede perdão a Deus depois de ter se reconciliado com seus semelhantes. O serviço é finalizado com o toque do chifre de carneiro e com os votos: "No ano que vem em Jerusalém". Essa é a comemoração mais importante e mais pessoal para os judeus.

A Festa dos Tabenáculos, ou Sukot (festa das tendas), acontece poucos dias depois do Dia do Perdão. Nela se constroem cabanas de folhas, no jardim da casa ou próximo à sinagoga. Isso é feito em memória das tendas onde os judeus moraram durante sua peregrinação no deserto e do cuidado que Deus dedicou a eles. Mas essa festa é também uma alegre ação de graças pela colheita. No último dia se conclui o ciclo anual da leitura da Torá, e um novo ciclo se inicia, recomeçando a leitura a partir do Gênesis. Os rolos da Torá são tirados de sua arca e levados numa procissão cerimonial.

A Festa da Inauguração (Chanuká) é comemorada em novembro ou dezembro durante um período de oito dias. A cada dia se acende uma vela, num candelabro de oito ramificações típico de Chanuká. Essa festa comemora uma grande vitória dos judeus ocorrida em 165 a. C, quando inauguraram novamente o Templo de Jerusalém, depois que os invasores sírios o haviam profanado e proibido o culto judaico. Essa festa vem adquirindo características semelhantes às do Natal cristão, com troca de presentes e muita atenção às crianças.

A Páscoa em hebraico é chamada Pessach, que significa "passar por cima". É uma referência ao relato da Torá sobre o anjo do Senhor que, ao levar a décima praga ao Egito, "passou por cima" das casas dos israelitas e, desse modo, só os primogênitos egípcios morreram. O Pessach é celebrado em março ou abril e comemora o êxodo dos judeus da escravidão do Egito. Antes do início do Pessach, os judeus devem fazer uma limpeza ritual na casa. Devem usar ainda um serviço especial de pratos para a comida e não podem comer nem beber nada que contenha grãos ou farinha fermentada. A Páscoa também é denominada "festa do pão ázimo", pois celebra a ocasião em que os judeus saíram do Egito às pressas, sem tempo de esperar o pão fermentar e crescer. Assim, durante os oito dias da Páscoa se come apenas matsá, que é pão ázimo, ou sem fermento.

Quando a família senta para fazer a refeição de Pessach, uma criança pergunta: "Por que esta noite é diferente de todas as noites?". E o pai então explica como os judeus saíram do Egito e se tornaram um povo.

A refeição da Páscoa é chamada seder, palavra hebraica que quer dizer "ordem", pois segue um ritual fixo, com pratos tradicionais de significado simbólico. Devem-se mergulhar ramos de salsa numa tigela com água salgada, simbolizando as lágrimas dos judeus no Egito. As ervas amargas lembram a infelicidade da escravidão sob o domínio do faraó. Uma mistura de maçã ralada, nozes, vinho e mel representa o cimento que os judeus utilizavam para fazer tijolos. Um osso de carneiro assado simboliza o sacrifício pascal. Ovos cozidos recordam os sacrifícios feitos no Templo. Bebe-se também vinho, o símbolo da alegria.

A Festa das Semanas (Shavuot), ou o Pentecostes judaico, cai em maio ou junho e comemora a ocasião em que a Torá foi dada ao povo no monte Sinai. Na sinagoga são lidos os dez mandamentos e o Livro de Rute. A história do livro de Rute se passa durante a colheita de trigo, e no antigo Israel os peregrinos chegavam ao Templo com cestas carregadas das primeiras espigas de trigo. Hoje, as decorações com flores e ramos lembram a área em torno do Sinai. A refeição é composta sobretudo de frutas, peixe e alimentos leves feitos de leite: bolos de queijo, panquecas etc. Isso porque quando os judeus receberam a Torá no Sinai, com a proibição de comer carne e leite na mesma refeição, decidiram se afastar da carne.

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 98-117.

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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Religiões surgidas no Oriente Médio: Monoteísmo

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma cópia literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pelas figuras. Os méritos são dos autores.

O Abraão dos judeus:

Olhai para Abraão, vosso pai,
e para Sara, aquela que vos deu à luz.
Ele estava só quando o chamei,
mas eu o abençoei e o multipliquei.
Isaías 51,2

O Abraão dos cristãos:

Responderam-lhe: "Nosso pai é Abraão". Disse-lhes Jesus:
"Se sois filhos de Abraão,
praticai as obras de Abraão.
Vós, porém, procurais matar-me,
a mim, que vos falei a verdade
que ouvi de Deus.
Isso, Abraão não fez"
João 8,39-40

O Abraão dos muçulmanos:

Eles dizem: "Aceita a fé judaica ou cristã e terás a orientação
correta". Dizei então:" D e maneira nenhuma! Nós cremos na fé de
Abraão, o correto. Ele não era idólatra".
Corão, sura 2,129

Três das grandes religiões mundiais tiveram início no Oriente Médio: o judaísmo, o cristianismo e o islã. As três são monoteístas. São também chamadas "abraâmicas", por sua fé no Deus Único, que teria se revelado ao primeiro dos patriarcas bíblicos: Abraão (c. 1800 a. C). As três exerceram influência na região do Mediterrâneo, mas o cristianismo e o islã se difundiram muito mais que o judaísmo. Atualmente, elas são as duas maiores religiões do mundo.

Enquanto o cristianismo é sobretudo a religião do Ocidente (três quartos de todos os cristãos vivem na Europa e nas Américas), o islã se tornou uma religião importante na Ásia (três quartos de todos os muçulmanos vivem nesse continente). Na África, essas duas religiões têm mais ou menos a mesma força. O islã continua firmemente enraizado na cultura árabe e é dominante nos países do Oriente Médio. Apesar disso, hoje em dia os árabes abrangem somente uma pequena parcela dos muçulmanos.

O judaísmo está deixando sua marca no Estado de Israel, que foi fundado em 1948, porém apenas 5 milhões dos 14 milhões de judeus do mundo vivem ali. Quase a metade deles vive nos Estados Unidos.

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 97-98.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Características das Religiões Africanas

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pela figura. Os méritos são dos autores.


Três religiões dominam a África moderna. O cristianismo se encontra sobretudo no Sul e ao longo dos litorais leste e oeste. O centro do islã fica na África setentrional árabe, mas historicamente essa religião sempre teve penetração também ao sul do Saara. Há, por fim, as religiões primais, ou tribais, ou tradicionais, as mais difundidas antes da invasão cultural ocidental e árabe. Na África moderna, a estrutura tradicional baseada na aldeia está desaparecendo e, juntamente com ela, o fundamento das antigas religiões, que era a vida familiar e tribal.

As religiões africanas tradicionais não têm textos escritos, o que torna seu estudo difícil para os pesquisadores. Boa parte do conhecimento que temos sobre essas religiões, reunido durante os últimos séculos, apóia-se nos relatos de observadores europeus, sejam eles mercadores, colonizadores ou missionários. Tais descrições são muito influenciadas pelas constantes comparações entre a vida religiosa e cultural do local e o cristianismo e a cultura ocidental. Mais recentemente, etnólogos e antropólogos sociais vêm se utilizando de métodos científicos modernos para estudar as religiões africanas, porém mesmo eles as vêem de uma perspectiva externa.

Uma fonte de conhecimento sobre as religiões africanas são os mitos que sobreviveram por meio da tradição oral, mas também se deve considerar que o conteúdo das histórias contadas pode ter se alterado ao longo das gerações. As religiões primais, assim como todas as outras, são influenciadas por fatores externos, e muitas adotaram elementos do islã ou do cristianismo. Uma característica das religiões africanas mais recentes são os milhares de movimentos sincretistas que surgiram em torno das missões cristãs.

Ao agrupar as religiões africanas sob um só rótulo, deve-se ter em mente que seu número equivale ao de povos existentes na África. Cada uma tem seu próprio nome para Deus, seus próprios rituais de culto, suas idiossincrasias. Por outro lado, elas apresentam também muitos traços em comum, pois os africanos não viveram uma existência estática, isolada. Sua história fala de diversas migrações, dos contatos que cruzaram as divisões tribais e da formação de grandes Estados. É necessário notar ainda que a maioria dos africanos não urbanos são agricultores e criadores de gado. Há apenas alguns grupos de caçadores-coletores. 

PAPEL ESSENCIAL DA TRIBO E DA FAMÍLIA

O termo tribal, quando associado às religiões africanas, oferece-nos uma chave para compreender algo essencial sobre elas.

A tribo — ou o clã, grupo de parentesco ou família extensa — forma o arcabouço para a existência diária do africano. O respeito por essa instituição é mais importante do que o respeito pelo indivíduo.

O que é especial no conceito que esses africanos têm de família (ou tribo) é que ela compreende, além dos vivos, os mortos. O ancestral permanece próximo à tribo; torna-se uma espécie de espírito vivendo num mundo à parte, ou pairando sobre o lar para garantir que seus descendentes observem os costumes.

O costume, ou a organização da sociedade, ou ainda a "constituição", para usar um nome mais moderno, foi estabelecido quando a tribo passou a existir, numa época que os mitos chamam de "o princípio dos tempos". O dever dos vivos é assegurar a preservação dessa organização, o que se consegue obedecendo cuidadosamente a todas as regras e, acima de tudo, fazendo sacrifícios aos espíritos dos ancestrais.

Entretanto, a família não consiste apenas nos vivos e nos mortos, mas também nos ainda não nascidos, nos descendentes. E dever do indivíduo dar continuidade à família. Um dos piores infortúnios pessoais é morrer sem deixar filhos.

Quando uma família se extingue, a conexão dos espíritos ancestrais com a Terra é cortada, pois não sobra ninguém para manter contato com eles. Assim, se um homem tem mais de uma esposa e gera muitos filhos, sua alma fica em paz. Ele sabe que depois da morte sua alma não será forçada a vagar pelo espaço vazio, desconectada da Terra, pois estará sempre ligada a alguém.

Uma das tarefas mais importantes do homem é tomar conta do território que foi outorgado à tribo por seus pais fundadores, terra que, por sua vez, será passada aos descendentes dele. Em outras palavras, não há propriedade privada da terra e ela não pode ser vendida aos pedaços.

O Chefe Tribal

A tribo é liderada por um chefe ou rei. O papel do rei e seu poder variam de tribo para tribo e sofreram mudanças no decorrer da história, em particular depois da colonização da África pelas potências européias.

O rei não é apenas um líder político, mas ainda um juiz em exercício, o guardião da justiça e da lei. Com muita freqüência, é ele também o sacerdote responsável pelos sacrifícios da tribo.

O motivo por que o rei acumula todas essas diferentes funções é que não há uma demarcação clara entre política, religião, lei e moral. Cada uma dessas formas é parte do princípio — o costume — sobre o qual aquela sociedade tribal está construída.

O rei é o guardião cotidiano desses preceitos; ele personifica o contato com os antepassados, com a tradição. E também o representante dos deuses na Terra, bem como porta-voz dos homens perante os deuses.

Deuses e Espíritos

Baseando-se nos mitos, que nunca eram escritos, mas passados oralmente de geração em geração, os estudiosos já tentaram descobrir o que caracteriza a crença divina dos africanos.

Na maioria das tribos existe a crença num deus supremo, embora este receba muitos nomes. Normalmente associado ao céu, é ele que concede a fertilidade, e em alguns mitos é representado ao lado da deusa associada à terra.

Foi esse deus supremo que criou todas as coisas vivas, os animais e o ser humano. Foi ele ainda o responsável pelos decretos que regulam a sociedade, pelos costumes a que a tribo tem o dever de obedecer. Com freqüência ele é também o deus do destino, que governa a vida dos seres humanos e controla a boa ou má fortuna da tribo.

Às vezes, esse ser supremo é chamado de "deus em repouso", por estar remotamente afastado da vida cotidiana. Certos mitos relatam que havia um contato íntimo entre o deus e o homem no início dos tempos, quando tudo era bom; só que houve um desentendimento e o deus se afastou. É apenas em circunstâncias excepcionais, quando as pessoas estão passando por graves necessidades, que elas recorrem ao deus supremo. De modo geral, não precisam perturbá-lo, preferindo se voltar para deuses e espíritos menores.

Esses outros deuses, forças e espíritos se encontram nas florestas, nas planícies e nas montanhas, nos rios e nos lagos. São intimamente associados a fenômenos naturais distintos: o raio e o trovão, as grandes cachoeiras, uma primavera quente, alguma árvore enorme ou uma rocha com formato estranho. A religião ganda, praticada pelo povo Baganda, de Uganda, tem um deus supremo chamado Katonda, porém o culto mais importante se dirige a uma constelação de divindades menores. Uma delas é o deus da água, Mukasa, o qual governa a fertilidade e a saúde. Há ainda o deus da guerra, Kibuka, que no passado exigia sacrifícios humanos. Também é costumeiro tratar os espíritos dos mortos com respeito; o culto aos antepassados é um dos aspectos mais típicos da religião africana.

Culto aos Antepassados

Os antepassados são invisíveis, mas acredita-se que mantenham a aparência que tinham em vida, ou talvez sejam um pouco menores.

Os africanos não têm nenhum conceito de divisão entre corpo e alma e não crêem que é a alma que sobrevive. Os espíritos já foram comparados a sombras ou duplos dos mortos, capazes de estar em vários lugares ao mesmo tempo: no túmulo, no mundo dos mortos ou em fenômenos próximos ao homem.

Uma noção comum é que os mortos vivem no mundo deles da mesma maneira que viviam neste. Até seu status social é mantido. Eles se revelam aos vivos sobretudo em sonhos, mas também como animais e outros objetos naturais.

Cada homem adulto que morre se torna um espírito ancestral ou um deus ancestral para os que ficaram vivos, mas nem todos exercem o mesmo papel, nem constituem objetos do mesmo culto. Os mais importantes são os espíritos dos pais de família, dos patriarcas e dos chefes da tribo. O homem que é considerado o pai fundador de uma linhagem de chefes com freqüência é cultuado como um deus acima de todos os outros, uma divindade nacional.

Culto aos antepassados é uma expressão que implica interação entre os vivos e os mortos. Os vivos obtêm força e socorro de seus ancestrais; ao mesmo tempo, os mortos dependem das oferendas de seus descendentes: é por meio desses sacrifícios que adquirem sua força e potência. Se não receberem oferendas, irão "morrer", isto é, cessar completamente de existir.

Fazer um sacrifício a um ancestral pode ser algo bastante simples. Um membro da tribo vai até o túmulo de seu pai, por exemplo, oferece uma pequena quantidade de comida e bebida, e pede ajuda para resolver uma situação difícil.

Mais comum é a oferenda familiar coletiva. Estaé comandada pelo chefe da família e presta homenagem aos pais já falecidos, os espíritos mais proeminentes. Ter status é fundamental, e o chefe da família é o único que tem o direito de fazer esse sacrifício; só que ele o faz em nome de toda a sua família.

O chefe da tribo é responsável pelos sacrifícios do grupo mais extenso. Em nome de toda a tribo, ele se dirige aos espíritos de antigos chefes e faz orações pedindo uma boa caça ou uma boa safra. Na época da colheita, os primeiros frutos são oferecidos aos espíritos dos chefes. Selecionam-se os melhores produtos em honra dos espíritos, e com o acompanhamento de orações, cantos e danças, as pessoas — em geral usando máscaras e outros adornos — expressam sua gratidão e oram para continuar tendo proteção.

OS ESPECIALISTAS EM RELIGIÃO

O papel do chefe ou rei muitas vezes inclui as funções de sacerdote, mas há também uma série de outros especialistas religiosos: curandeiros, adivinhos, oráculos, profetas e magos fazedores de chuva.

Curandeiros

Nganga é uma palavra empregada entre os povos de idioma banto, no Sul da África, e pode ser traduzida simplesmente por "médico" ou "doutor". O nganga é bastante familiarizado com muitas das causas físicas das doenças, e utiliza ervas e plantas da medicina popular em sua prática médica. O tratamento, porém, costuma ser acompanhado de amuletos e fórmulas mágicas para controlar os espíritos maus. É uma crença comum a existência de "bruxas" e "feiticeiros", pessoas que tentam fazer mal aos outros usando, por exemplo, a magia negra. A tarefa do curandeiro é anular o feitiço, possivelmente empregando os mesmos métodos mágicos.

Magia

A magia é definida como "a capacidade de influenciar os acontecimentos aliciando os seres espirituais ou ativando forças naturais ocultas". Muitas sociedades tribais africanas têm fazedores de chuva. Eles usam a chamada magia homeopática quando querem que chova ou quando querem que a chuva cesse. Se querem chuva, podem, por exemplo, imitar seu ruído despejando água numa peneira. Podem também saltitar agachados, coaxando, como fazem os sapos quando chove. Ou ainda podem cobrir a cabeça com uma folha de palmeira, fingindo que está chovendo. Se, por outro lado, querem que a chuva cesse, podem acender uma fogueira imitando o sol. A magia homeopática se baseia no princípio "semelhante atrai semelhante". Acredita-se na existência de uma conexão entre dois fenômenos que se parecem. Se se cria uma situação de chuva, a chuva ne- cessariamente tem que cair.

Outro tipo é a magia de contágio, a qual age segundo o princípio de que há uma conexão entre as partes e o todo. Se, por exemplo, alguém possui algo — uma peça de roupa, alguns fios de cabelo ou um fragmento de unha — que pertence a um inimigo, terá poder sobre este. Se qualquer uma dessas coisas for agredida, seu possuidor também sofrerá. É igualmente comum considerar que o nome é parte da pessoa. Assim, em muitos lugares as pessoas receiam dizer seu nome, temendo que alguém possa utilizá-lo para fazer mal a elas.

Adivinhação e Profecia

Os adivinhos são especialistas em interpretar as mensagens dos espíritos. Alguns curandeiros são adivinhos e empregam suas técnicas parafazer diagnósticos. Mas os adivinhos também podem
aconselhar sobre o que fazer numa determinada situação ou sobre como apaziguar a ira dos deuses.

Eles possuem muitas técnicas. O adivinho pode usar, por exemplo, um cesto contendo vários objetos. Cada um deles tem um significado simbólico; cada um indica certa situação ou característica humana. Quando se sacode a cesta, os objetos saem do lugar; o adivinho então examina quais objetos ficaram por cima e suas posições relativas.

Atirar objetos para o ar e ver de que maneira caem também é uma prática comum. Os adivinhos pertencentes ao povo Chona, do Zimbábue, utilizavam quatro pedaços de osso ou de madeira, que representavam um velho, uma velha, um rapaz e uma moça, e tinham marcas mostrando seu lado de cima e seu lado de baixo. Com base nas posições relativas desses objetos ao caírem ao chão, o adivinho tirava suas conclusões.

Não se trata apenas de algo como tirar a sorte com números ou jogar cara-ou-coroa. O adivinho considera que a resposta obtida é uma mensagem vinda dos espíritos ou dos deuses. Mas eles também podem se manifestar diretamente, por intermédio de certos indivíduos especiais. Usando a música e a dança, esses indivíduos entram em transe e ficam "possuídos" por um espírito, que se faz conhecer e pode ser interrogado pela pessoa que está possuída. Tais indivíduos são valiosos conselheiros na comunidade e desfrutam de um status elevado no culto. Outros atuam como profetas independentes.

Ritos de Passagem

Alguns especialistas religiosos são responsáveis pela vida ritual. De especial importância são os ritos de passagem associados com o nascimento, a morte, a puberdade e o casamento.

Quando os meninos da tribo passam da infância para a idade adulta, devem se submeter aos chamados ritos da puberdade. Os Baluba, um povo banto, começam isolando os meninos do resto da comunidade e sobretudo das mulheres, até mesmo de suas mães. Eles são então circuncidados e enviados à floresta para um duro teste de várias semanas durante o qual aprenderão também as crenças e os costumes de seus antepassados. Quando por fim retornam à aldeia, são considerados homens adultos, prontos para casar e ter filhos.

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 89-96.