Por Carlos Chagas
Estudo de Champlin. Fonte: CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia
. vol. 2. São Paulo: Hagnos, 2003.
III. O dízimo dos Hebreus antes da Lei
O Antigo Testamento ilustra o ponto em duas oportunidades.
Antes de tudo, Abraão apresentou a décima parte dos despojos (que vide) do
combate militar em que se envolveu, a Melquisedeque (Gn. 14:20; Heb. 7:2,6).
Melquisedeque foi um rei-sacerdote, que simbolizava um sacerdócio superior ao
de Arão, pois refletia o sumo sacerdócio do próprio Cristo. O artigo sobre
Melquisedeque oferece-nos detalhes sobre Isso, bem como algumas especulações
sobre a sua identidade. A narrativa do livro de Gênesis não explica por que
Abraão julgou ser necessário dar dízimos a Melquisedeque. O relato pode dar a
entender que os dízimos eram dados por várias razões, e em diferentes ocasiões.
Podemos supor que essa era uma prática regular, mas não temos qualquer
informação sobre isso, e nem sobre a forma que os dízimos podiam assumir. Em
segundo lugar, há o caso de Jacó, o qual, após a visão que teve, em Luz,
devotou uma décima parte de sua propriedade ao Senhor Deus, sob a condição de
que fosse conduzido em paz e fosse trazido novamente à casa de seu pai. Seu
irmão gêmeo, Esaú, além de outros, era seu inimigo; e Jacó carecia da proteção
e da orientação divinas. O que Jacó fez, naquela oportunidade, foi tomar um
voto e fazer uma promessa e a sua parte na barganha consistia em dar a Deus uma
décima parte de tudo quanto possuísse.
IV. Elementos da Doutrina do Dízimo sob a Lei
Antes da lei, os dízimos já existiam, embora não parecesse
fazerem parte regular do culto religioso. Em outras palavras, não havia
preceito que requeresse o dízimo como um processo contínuo e específico. Porém,
não se pode duvidar de que o dízimo era praticado pelos patriarcas, antes mesmo
de sua instituição legal. Os dízimos passaram então a ser usados dentro do
sistema de sacrifícios, como parte do culto prestado a Yahweh, para sustento
dos sacerdotes levíticos; e, provavelmente, esses fundos também eram usados
para ajudar os pobres, em suas necessidades. Há alusões a esse uso dos dízimos
no tocante a deuses pagãos, como Júpiter, Hércules e outros (Her. Clio, sive
1,1, c.89; Varro apud Macrob. 1:3, c.12). Quem já não prometeu alguma coisa a
Deus, se pudesse realizar isto ou aquilo? Conforme minha mãe costumava dizer:
«Algumas vezes, isso funciona; mas, de outras vezes, não».
1. Coisas que eram dizimadas. Colheitas, frutas, animais do
rebanho (Lv. 27:30-32). Não era permitido escolher animais inferiores. Ao
passarem os animais para pastagem, de cada dez, um era separado como o dízimo
(Lv 27:32 ss). Produtos agrícolas podiam ser retidos, se o equivalente em
dinheiro fosse dado; mas, nesse caso, um quinto adicional tinha de ser
oferecido. Contudo, não era permitido remir uma décima parte dos rebanhos de
gado bovino e vacum, desse modo, uma vez que os animais tivessem sido dizimados
(Lv. 27:31,33). Certa referência neotestamentária, em Mt. 23:23 e Lc. 11:42; de
dízimos sobre a hortelã, o endro e o cominho, reflete um exagerado
desenvolvimento da prática do dízimo, em tempos judaicos posteriores.
Comentamos sobre isso, detalhadamente, no NTI, in loc. As passagens de Dt
12:5-19; 14:22-29 e 26:12-15 falam sobre algumas modificações quanto à lei
sobre o dízimo. O trecho de Amós 4:4 mostra que o legalismo e os abusos contra
o dízimo já haviam invadido a prática. A Mishna (Maaseroth 1:1) informa-nos de que tudo quanto era
produzido e usado em Israel estava sujeito ao dízimo, e isso era exagerado ao
ponto de incluir os mais ínfimos produtos.
2. Que
dízimos eram dados e a quem. A legislação acima mencionada, dentro do livro de
Deuteronômio dá orientações específicas sobre como e a quem os dízimos deveriam
ser entregues. Originalmente, os dízimos eram dados aos levitas (Nm 18:21 ss),
tendo em vista a manutenção dos ritos religiosos. Mais tarde, isso ficou mais
complexo ainda. Os dízimos eram levados aos grandes centros religiosos. Quando
convertidos em dinheiro, os dízimos eram postos em mãos apropriadas, para serem
gerenciados (Lv 14:22-27). Ao fim de três anos, todos os dízimos que tivessem
sido recolhidos eram levados ao lugar próprio de depósito, e seguia-se então
uma grande celebração. Os estrangeiros, os órfãos, as viúvas (os membros mais
carentes da sociedade) eram assim beneficiados, mediante essa prática,
juntamente com os levitas (Lv 14:28,29). Cada israelita precisava desempenhar a
sua parte nessa questão dos dízimos, a fim de ser cumprido o mandamento divino
(Lv 26:12-14).
3. Sumário
dos regulamentos, a. Uma décima parte dos dízimos recolhidos era usada no
sustento dos levitas, b. Disso, uma décima parte era dada a Deus, para ser
usada pelo sumo sacerdote, c. Aparentemente havia um segundo dízimo, usado para
financiar as festas religiosas, de um terceiro dízimo, ao que parece, era
destinado aos membros menos afortunados da sociedade, o que ocorria a cada três
anos. Alguns intérpretes, porém, supõem que o segundo e o terceiro dízimos eram
o mesmo dízimo ordinário, embora distribuído de modos diferentes. E, nesse
caso, estava envolvido apenas um dízimo adicional, e isso somente de três em
três anos. No entanto, nos escritos de Josefo temos informes de que, na
verdade, havia três dízimos separados: um para a manutenção dos levitas; outro
para a manutenção das festas religiosas; e, a cada três anos, para sustento dos
pobres. Tobias 1:7,8 é trecho que dá a entender a mesma coisa. Entretanto, há
uma referência nos escritos de Maimônides que diz que o segundo dízimo do
terceiro e do sexto anos era distribuído entre os pobres e os levitas; e, em
face desse comentário, retornamos à outra ideia que fala em apenas dois dízimos
distintos, embora distribuídos de modos diferentes. Dízimos sobre os animais usados nos sacrifícios. Esses eram
consagrados a Yahweh, pelo que tinham um lugar especial entre os dízimos,
estando diretamente envolvidos no sistema de sacrifícios e ofertas.
4. Lugares para onde eram levados os dízimos. O principal
desses lugares era Jerusalém (Dt 12:S ss-, 17 ss). Uma cerimônia era efetuada
nessa ocasião (Dt 12:7,12), sob a forma de uma refeição. Se um homem não
pudesse transportar a sua produção, ele podia substituí-la por dinheiro (Dt
14:22-27). A cada três anos, os dízimos podiam ser depositados no próprio local
onde o homem habitasse (Deu. 14:28 ss). Mas, nesse caso, o indivíduo ainda
precisava viajar até Jerusalém, a fim de adorar ali (Dt 26:12 ss).
V. O Dízimo no NOVO TESTAMENTO
Algumas pessoas conseguem fazer os dízimos parecerem
obrigatórios, dentro da economia cristã, e encontram textos de prova, no Novo
Testamento, para justificar essa prática. Mas outros não podem encontrar a
ideia do dízimo obrigatório no período do Novo Testamento, julgando que essa
prática é uma pequena exibição de legalismo, do que os crentes estão isentos.
De certa feita, ouvi um sermão que tinha o propósito de impor a obrigatoriedade
do dízimo aos crentes do Novo Testamento, por meio de trechos do Novo
Testamento. O pregador usou a passagem de Lucas 11:42. Jesus repreendeu os
fariseus porque tinham o cuidado de dizimar sobre pequenas questões legais,
embora desconsiderassem as questões realmente importantes, como a justiça e o
amor. Essas questões mais importantes, pois, eles deveriam pôr em prática, sem
desconsiderar as coisas menos importantes. É evidente que Jesus reconhecia a
natureza obrigatória dos dízimos, no caso da nação de Israel, mas está longe de
ser claro que isso envolvia até mesmo a Igreja Cristã. Normalmente, os teólogos
concordam que o Novo Testamento é um pacto de liberdade, e que cada crente deve
dar a Deus conforme o Senhor o fizer prosperar, sem ser obrigado, contudo, a
contribuir com somas específicas (1Co 16:1,2). Entretanto, esse texto não
assevera diretamente como a Igreja cristã deve contribuir, porquanto envolve,
especificamente, uma coleta especial, feita para ajudar os santos pobres de
Jerusalém. Apesar disso, alguns estudiosos supõem que essa instrução paulina serve
de principio geral quanto aos dízimos no seio do cristianismo. O fato, porém, é
que o Novo Testamento não nos dá qualquer instrução direta sobre a questão dos
dízimos, embora frise a questão da generosidade, uma parte da lei do amor, no
tocante a todas as nossas ações e culto religioso. Muitos intérpretes pensam
que o silêncio do Novo Testamento é proposital, dando isso a entender que o
crente não está sob a lei, incluindo a regulamentação sobre os dízimos; antes,
deveria ele ser guiado pela lei do Espírito. Ainda outros eruditos opinam que o
silêncio das Escrituras, nesse caso, é circunstancial, pelo que não teria
qualquer significado.
Nesse caso, poderíamos supor que a legislação
veterotestamentária continua a vigorar nos dias do Novo Testamento. Isso,
entretanto, é uma precária proposição teológica, se levarmos em conta tudo
quanto Paulo disse sobre o fato de que não estamos debaixo da lei. A minha própria opinião é de que a questão deve ser
resolvida com base no senso de responsabilidade de cada um e não com base em
alguma legislação. Explico melhor essa ideia abaixo, na sexta seção.
VI. A lei da generosidade
Certa ocasião, vi-me envolvido em uma controvérsia sobre
essa questão, em uma igreja batista. Certo domingo, em uma discussão que se
originou durante a Escola Dominical, alguns membros defendiam o principio do
dízimo, dentro do Novo Testamento. O dízimo era muito enfatizado naquela igreja
e na denominação da qual ela fazia parte. Portanto, era de boa política falar
em favor do dízimo, naquele lugar. Mas um homem corajoso, que era, de fato, o
professor da classe dos adultos da Escola Dominical, fez objeção à posição. Ele
não era capaz de encontrar o ensino sobre o dízimo no Novo Testamento e estava
certo de que, como um princípio, o mesmo é antipaulino. Até certo ponto, pude
ficar calado, deixando os argumentos serem apresentados contra e a favor. Mas,
finalmente, fui especificamente solicitado a manifestar-me sobre a questão.
Comecei minha explicação concordando com o professor da classe dos adultos. De
fato, do ponto de vista teológico, não posso ver como poderíamos considerar o
dízimo obrigatório para a Igreja cristã. Porém, continuei dizendo que havia
ainda um outro fator que não podemos desconsiderar. Esse fator é a lei da
generosidade, que é apenas um outro nome para a lei do amor. Se, sob a
dispensação do Antigo Testamento, os privilégios religiosos exigiam a décima
parte das rendas de uma pessoa, com vistas à manutenção da adoração e do
sistema religioso, e também para benefício dos pobres, muito mais deveria ser
nosso privilégio, em Cristo, afetarmos o bolso e a conta bancária. Minha
posição, pois, é que o crente deve dar mais do que o dízimo. Em meu caso,
sempre contribui com mais do que a décima parte do que ganho, para os projetos
espirituais. De fato, algumas vezes tenho ficado com uma décima parte, e nove
décimas partes são dedicadas ao trabalho do Senhor. Disse isso sem o intuito de
chamar atenção para a minha pessoa, mas isso tem sido fato. Meu irmão, que foi
missionário evangélico primeiramente no Zaire (quando esse país ainda era
chamado Congo), e, mais tarde (até o momento), no Suriname,na América do Sul,
disse-me que ele dava acima de três quartas partes de toda a sua renda ao
trabalho religioso, incluindo salários para os professores e as enfermeiras,
para nada dizer acerca do dinheiro necessário para a construção de templos. O
amor é mais exigente do que a lei. Isso é perfeitamente óbvio e vivemos de
acordo com a lei do amor, que cumpre toda a legislação do Antigo Testamento,
sem importar qual o particular de conduta atingido (ver Rm 13:8 ss).
Atualmente, vemos o espetáculo de missionários evangélicos que constroem para
si mesmos grandes mansões, lares luxuosos, etc. Quando isso sucede, sabemos que
o dinheiro está sendo empregado egoisticamente, e não para o serviço do Senhor.
Há uma grande diferença entre o altruísmo e o egoísmo; mas alguns missionários
evangélicos parecem nunca ter aprendido a diferença. Direi agora o que penso
sobre tudo isso. O próprio fato de que há crentes disputando sobre se devem
contribuir ou não com uma miserável parcela de dez por cento mostra o baixo
nível de espiritualidade em que se encontram. Quanto maior for a
espiritualidade de um crente, maior será a sua liberalidade para com o dinheiro
com que contribui para a causa do evangelho, ou com que alivia as necessidades
das pessoas ao seu redor. Se gastarmos alguns minutos lendo os capítulos oitavo
e nono de 2 Coríntios, veremos ali a promoção do principio cristão da
generosidade. Isso é encorajado mediante a certeza de que Deus vê quem dá com
generosidade, mostrando-se ainda mais generoso para com aqueles que agem dessa
maneira. O resultado será que os crentes que assim fazem de nada terão
necessidade, pois o banco celestial tem imensas fortunas ali entesouradas.
Esses fundos são postos à disposição dos generosos, e não à disposição dos que
só dão com parcimônia. Se alguém semear com parcimônia, colherá
parcimoniosamente; e se alguém semear com abundância, colherá abundantemente
(ver 2 Cor. 9:6). Deus ama o homem que dá com generosidade (2 Cor. 9:7). A
razão pela qual prosperamos é que, dessa maneira, poderemos superabundar «em
toda boa obra» (2 Cor. 9:8). Nunca vi falhar essa lei da colheita segundo a
semeadura e espero vê-la operando mais algumas vezes, de uma maneira
significativa, antes de terminar minha missão. Se o leitor, que estiver lendo
esta declaração, nesta versão impressa da presente enciclopédia, considerar
corretamente a questão, poderá perceber que essa lei operou, uma vez mais, no
meu caso. (BE ND UN)