quinta-feira, 20 de maio de 2010

O livro de Romanos: Introdução ao estudo e breve aplicação para hoje. PARTE 1/2

Por Carlos Chagas

Época da produção da epístola

Durante dez anos (47 a 57 d.C) Paulo realizou intensa evangelização dos territórios que margeiam o mar Egeu. Após evangelizar e deixar líderes responsáveis em cada cidade (Icônio, Corinto, Filipos, Tessalônica, Éfeso, e outras) Paulo conclui seu primeiro grande plano de campanha. Seu segundo plano era ajuntar dinheiro de ofertas para ser entregue à igreja de Jerusalém tentando com isso fortalecer os laços entre igreja-mãe, na Judéia, e igrejas gentílicas.

Após a consumação dessa transação Paulo é tomado de ansiedade para concretizar a vontade de anos em seu coração: Visitar Roma. Embora cidadão romano por direito de nascimento Paulo nunca esteve na capital. É fato que Paulo não queria se estabelecer em Roma, como fica claro em sua afirmação em 15.20 de "não edificar sobre fundamento alheio". Entretanto Paulo se estabeleceria por pouco tempo até que, em momento oportuno, chegasse à Espanha e iniciasse nova campanha de evangelização.Sabe-se que o Evangelho já havia chegado em Roma bem antes de sua conversão.

Diante dessa sua vontade de conhecer Roma, de conhecer também seus irmãos em Cristo, e de ter novas terras a serem evangelizadas além de Roma, Paulo, com a ajuda de Tércio, seu "secretário", a mando de Gaio, seu hospedeiro, se propõe a escrever uma carta aos romanos visando prepará-los para a sua visita à cidade e explicar a finalidade da mesma. Paulo aproveitou também para deixar registrado na carta a sua compreensão do Evangelho e de como ele o pregava.

O cristianismo em Roma

Estudos deixaram claro que a igreja cristã de Roma não era de organização tão recente. Em At 2.10 se tem uma passagem interessante sobre o dia da festa de Pentecoste (30 d.C.) onde Pedro pregou para diversos visitantes procedentes de Roma. Não se sabe se deles se têm convertidos da remessa de três mil pela pregação de Pedro. O cristianismo de Roma tinha vindo de uma mistura com a religião judaica. Estes cristãos e estabeleceram em Roma sem sinais de obras milagrosas e sem nenhuma ajuda dos apóstolos. Logo, fica claro que foram pessoas "simples" que pregaram o Evangelho no seio de Roma e, provavelmente, no meio da comunidade judaica da capital. Ainda segundo estudiosos um provável Chrestus foi o iniciador dos cristãos. Sabe-se que este foi impulsionado a propagar o Evangelho após problemas com o imperador Cláudio, quando este insistiu em perturbar os cristãos de Roma.

Outra prova de que o Evangelho de Cristo havia chegado em Roma antes da pregação de Paulo é o fato de Priscila e Áqüila já se encontrarem em estado cristão. Paulo jamais dá a idéia de que eram seus filhos na fé. Estes podem ter sido dispersados juntos com os demais judeus cristãos do primeiro século pela ordem de expulsão de Cláudio.

Algumas informações interessantes sobre os membros da igreja romana de 57 d.C. podem ser encontradas em 16.3-16. Alguns cristãos mensionados ali podem ter tido contato com Paulo em algum lugar e depois se instalado em Roma. Dois nomes, Andrônico e Júnia (ou Júnias), são representantes desse caso. Considerados os primeiros cristãos da igreja primitiva estavam em Cristo antes do próprio Paulo (16.7), eram muito conhecidos dos apóstolos e também reconhecidos como apóstolos. Rufo, cristão citado por Paulo no verso 16.13 provavelmente é o filho de Simão Cireneu mencionado em Marcos 15.21. Talvez Paulo tenha conhecido sua mãe em Antioquia durante sua visita.

O cristianismo encontrou solo fértil em Roma. Apesar do cristianismo romano ser uma mesclagem judaísmo com cristianismo, este conseguiu bom progresso na mensagem do Evangelho, contudo conseguiu também levantar a ira de muitos romanos, que viam o cristianismo como sendo mais uma superstição oriental. Foi aproveitando dessa visão torpe dos romanos que o imperador Nero, sete anos mais tarde, procurou à sua volta bodes expiatórios para que pudesse jogar sua culpa pelo grande incêndio de Roma para entõ se safar de uma revolta. Não foi muito difícil encontrar; os cristãos de Roma eram impopulares. Eram vistos como inimigos da raça humana, pois eram acusados de práticas de canibalismo e incesto. Foi a perseguição de Nero contra os cristãos que tradicionalmente compôs o cenário para o martírio de Paulo e Pedro.

Três anos após escrever a carta Paulo finalmente visita Roma. Não da forma que ele esperava. Após poucos dias de sua estadia em Jerusalém, os soldados romanos da Judéia alegaram que Paulo havi praticado grave ofensa à santidade do templo. O processo se arrastou até que Paulo se valeu dos seus direitos de cidadão romano e pediu para que o julgamento de sua causa fosse transferida para Roma, para a jurisdição direta do imperador. Após naufragar e se refugiar na ilha de Malta ele chega em Roma por volta do ano 60 d.C. Por dois anos Paulo é mantido sob guarda em seus alojamentos particulares sendo permitido receber visitas e propagar o Evangelho no centro vital do Império.

Quanto à sua visita à Espanha nada se sabe. Ainda se discute se Paulo conseguiu ou não evangelizar os espanhóis. Sabe-se que poucos anos mais tarde Paulo foi sentenciado à morte em Roma como líder dos cristãos. Segundo a tradição Paulo foi levado para fora da cidade onde foi decapitado. No local de sua decaptação encontra-se a Igreja de San Paolo Fuori le Mura (São Paulo Fora dos Muros).

A Epístola aos Romanos e o Corpo Paulino

Após intensos estudos sobre a epístola de Romanos descobriu-se que esta não foi apenas uma espístola entreoutras. A epístola de Romanos teve grandes particularidades que a destaca como, talvez, a mais importante carta de Paulo. Primeiro pelo fato de esta não ter sido uma única carta. Ao que parece Paulo escreveu esta carta, no mínimo, três vezes: Uma no tamanho que se possui ainda hoje nas Escrituras, outra sem o capítulo 16, e outra sem trechos específicos para pessoas específicas de alguns lugares sem importância para outros. Paulo retirou tais partes da epístola simplesmente porque não valeria a pena copiar a carta novamente (o que era penoso para a época) e enviar a outro grupo que não se identificaria com certos trechos. O capítulo 16 tem valor apenas a uma igreja de Roma, por isso a sua retirada das outras cópias.

Outra característica importante da epístola é o fato de esta epístola ter causado tanta influência em Roma. A se ler a epístola de Clemente aos Coríntios percebe-se toda a estrutura e pensamentos da epístola de Paulo aos Romanos. Ao que parece, Clemente decorou a carta aos Romanos e depois adaptou-lha para os coríntios. Além do mais, parece que esta carta foi considerada um tesouro em sua época porque foi uma das poucas cartas que conseguiu sobreviver à perseguição de 64 por Nero (este mandou queimar as cartas e quem as possuía). Essa carta sempre possuiu preço de sangue dos mártires.

Também segundo estudiosos da epístola, esta pode ser considerada o Evangelho de Paulo, uma vez que Paulo descreve ricamente sua visão sobre o que seja o Evangelho de Cristo e também por ser uma carta com perfeita estrutura e pelo seu tamanho. Esta é a maior carta de Paulo. A epístola de Romanos causou tanto impacto que um grupo de pessoas resolveu ajuntar todas as epístolas de Paulo para formarem o corpo paulino (corpus paulinum). Este corpo pulino chegou a ser formado por 13 cartas, incluindo Hebreus, apesar de esta carta não ser da autoria de Paulo. Mas esta discussão de autoria é recente.

Romanos e o Evangelho Paulino

Romanos é uma carta que foi escrita antes do prolongamento de sua pena de detenção, primeiro em Cesaréia, e depois em Roma. Portanto foi escrita após Tessalonicenses, Coríntios e Gálatas e antes de Colossenses e Efésios. Alguns temas abordados em Romanos são comuns em outras epístolas: Sobre comida 14.1 com 1 Co 8-10; sobre os membros do corpo 12.3ss com 1 Co 12; antítese de Adão e Cristo 5.12ss com 1 Co 15.21, 45; e a coleta em prol de Jerusalém 15.25ss com 1 Co 16.1 e 2 Co 8, 9.

De todas as epístolas de Paulo a que mais coaduna com Romanos é Gálatas. Em Gálatas se encontram as mais duras palavras de Paulo a respeito dos que tentam pregar um Evangelho que não tenha a Graça de cristo. É em Gálatas que se encontram ensinos que vão contra àqueles que acrescentam regras ao cristianismo, as quais, para Paulo, eram uma tremenda deturpação do Evangelho. Romanos possui a mesma idéia de Gálatas: Ir contra aquilo que diz respeito à salvação por obras. A pergunta que tanto Romanos quanto Gálatas realizam é a seguinte: "Se for possível ao homem ser justificado perante Deus pela observância das exigências das leis judaica, qual foi então, o papel desempenhado pela morte de Cristo, o ponto central do Evangelho?" Para Romanos e Gálatas a salvação vem somente da graça divina pela fé.

Portanto sobre salvação Romanos tratará de usar espécies de antíteses para esclarecer o raciocínio. Duas antíteses muito usadas são e Obras; e Carne e Espírito. A nova vida em Cristo mostra que a vida é comunicada pelo Espírito, e tão-somente por este. A tentativa de se viver pelo "Espírito" e pela "carne" está fadada ao fracasso, porque as duas ordens estão em franca oposição uma à outra: "a carne milita contra o Espírito, e o Espírito contra a carne" (Gl 5.17). As antíteses fé versus obras e Espírito versus carne reaparecem em Romanos numa seqüência lógica: A primeira nos capítulos 3 e 4, onde se discute o caminho para a justiça, e a última nos capítulos 7 e 8, onde o assunto é o caminho para a santidade.,

Outro paralelo entre Gálatas e Romanos se encontra nas passagens que Paulo trabalha o personagem Abraão (Gl 3.6-14 e Rm 4). A história de Abraão é usada por Paulo para mostrar a superioridade da fé ante a Lei de Moisés. Segundo Paulo Moisés escreveu a Lei que fala da fé de seus antecedentes. Um destes é Abraão. Paulo afirma que a Lei mosaica só existe porque Abraão ousou a crer. Logo, são filhos de Abraão, aqueles que, por meio da fé, assim como Abraão, ousam a crer em Deus. Em suma, para Paulo, o Evangelho é o cumprimento das promessas feitas por Deus a Abraão e à sua posteridade. Paulo afirma que a razão da existência da lei mosaica está na existência das promessas, que antecedem a própria lei.


Paulo luta veemente contra a instituição da lei mosaica aos cristãos. Paulo afirma que a lei, se observada em algum ponto, mínimo que seja, deve ser vivida em sua inteireza. E se vivida, esta será a própria maldição porque ninguém consegue cumpri-la. A mensagem do Evangelho pregado por Paulo anula a lei mosaica uma vez que o Evangelho tem em si a liberdade do cristão, liberdade esta que é concedida por Cristo na cruz. Então por que voltar aos rudimentos da lei? Por que submeter-se à servidão? Todavia essa liberdade não tem a ver com uma espécie de lei anárquica. A fé apresentada pelo Evangelho é fé que se manifesta em vida de amor, e assim se cumpre "a lei de Cristo" (Gl 5.6; 6.2).

Na época da escrita de Romanos existia um problema quanto ao Messias ser condenado como maldito (crucificado). Se Jesus merecia a condenação não era a questão maior, mas sim o fato de alguém, que é o Messias, ser condenado como maldito pelo próprio Deus (Dt 21.23). Como isso é possível? Como uma pessoa é Messias (enviado de Deus) e ser maldito pelo próprio Deus (crucificação)? Foi essa radicalidade da cruz que trouxe a conversão a Paulo. Para o apóstolo o que difere Jesus dos demais messias da sua época é a ressurreição de Cristo. Para Paulo, nada mais é prova maior do que aquele que foi condenado, morto, ressussitado dentre os mortos e ainda coroado como Rei dos Reis. Mas soa como se a lei tivesse mudado do nada após a morte de Cristo. E isso não é aceito. Por que deveria mudar? Na verdade foi a compreensão da lei que estava parcialmente revelada. É aqui que entra a revelação maior de Paulo sobre a morte de Cristo: Gl 3.10-13. Jesus levou sobre si a maldição que a Lei sentenciava para todos os que não cumprissem completamente (Dt 27.26). Isso era comum nas escolas rabínicas. Mas nenhum rabi formulou que o Messias devia sujeitar-se voluntariamente à maldição lançada sobre os infratores da lei de Deus, para livrá-los dquela maldição. Deste modo, a doutrina de um Messias crucificado, que outrora fora uma pedra de tropeço para Paulo, veio a ser a pedra fundamental de sua fé, bem como sua pregação. Assim fica explicado: A maldição da cruz foi quebrada por Cristo porque este se entregou em fé pelos demais, o que não é validado pela lei, mas pela instância maior, que é a fé nas promessas. Cristo creu e isto lhe foi imputado por justiça. Diante dessa suma Paulo explica para os judeus porque sua crença na lei mosaica os levarão à condenação (Rm 9.32).

Para ler a PARTE 2/2 clique aqui.

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