terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Apocalipse Bíblico: Predições do futuro ou promessas divinas?

Por Carlos Chagas

"No Dia do Senhor, entrei em êxtase, no Espírito, e ouvi atrás de mim uma voz forte, como de trombeta, a qual dizia: 'O que vês, escreve-o num livro e envia-a às sete igrejas'." Assim começa a mais famosa literatura apocalíptica de todo o mundo: O Apocalipse Bíblico. Temido por uns, esperado ansiosamente por outros, este é com certeza a literatura apocalíptica mais lida de toda a história e com certeza a mais comentada e interpretada também. Foi escrita por João, um dos quatro evangelistas, por volta de 95d.C., na pequena ilha de Patmos, no mar Egeu.

O livro possui personagens assustadores como os 4 cavaleiros que espalham fome, guerras e peste, além da morada dos mortos, anjos (e muitos), trovões, terremotos e relâmpagos. Cenas apavorantes recheiam a literatura causando grande espanto, medo e curiosidade em seus leitores.O Apocalipse de João, como também é conhecido, demonstra uma luta entre o Bem e o Mal, entre Deus e o Diabo. Nesta luta, apesar da grande maldade e destruição, Deus sai como o vitorioso aprisionando Satanás, o Acusador, e seus seguidores, no inferno, onde haverá, por toda a eternidade, choro e ranger de dentes. Como toda história de guerras, esta também tem seu campo da grande batalha final, a saber, o Armagedom, que para muitos estudiosos, trata-se de Megiddo, hoje território de Israel.

Ainda hoje as interpretações do livro levam muitos a crerem que se trata do fim do mundo. Para muitos analistas e teólogos isso não é o real propósito do livro, que tem por nome apocalipse, que do grego significa Revelação, onde se dá o desvendamento divino de uma série de coisas que antes eram ocultas ao povo mas que agora são reveladas a um profeta escolhido por Deus.

Para o teólogo Cesar Kuzma, coordenador e professor do curso de Teologia da PUC-PR, o livro do Apocalipse não trata de revelações do futuro, nas suas palavras "O Deus bíblico não faz predições, ele faz prmessas". Portanto, para Kuzma, o texto do Apocalipse de João é uma maneira literária, própria da época, de narrar acontecimentos que marcavam a vida dos primeiros cristãos. A linguagem, para sua época, era rica e de fácil compreensão, o que não o é nos dias atuais devido ao grande abismo cultural e do tempo. Não importavam o tamanho das tribulações, Jesus Cristo era (e é) aquele que é mais forte e quem dá a resposta final. Kuzma diz: "O julgamento de Deus está em fazer justiça a quem está caído e recuperar os agentes de destruição, ou seja, é um julgamento de salvção, não de condenação. O Deus cristão não condena ninguém, é um Deus da acolhida, que ama a todos e 'faz novas todas as coisas'."

"É um livro de esperança não de temor" diz Leomar Antônio Brustolin, doutor em Teologia da PUC-RS. Para ele a linguagem e os símbolos são carregados de segredos que que permitem ao cristão entender quem é o Senhor de tudo ao mesmo tempo que confundo aos que se detêm no simbolismo e nas profecias do fim. Para Brustolin o livro tem alto grau de dificuldade na compreensão para o mundo ocidental atual, mas que era de fácil compreensão para o mundo oriental antigo. "É uma literatura própria das épocas de crise e perseguição, em que se procura 'revelar' os caminhos de Deus sobre o futuro, para consolar e encorajar os justos perseguidos, dando-lhes a certeza da vitória final", explica.

Sabe-se que o livro do Apocalipse foi escrito em tempos de perseguição da igreja pelo então imperador Titus Flavius Domitianus (Domiciano - 81-96. Na época se perguntava "quem mandava no mundo? Os tiranos ou o Senhor do Céu?" Esse envolvimento dos poderes terrenos e celestes assegurava aos crentes que Deus é aquele que não só participa do governo dos Céus como também da Terra, tendo total controle dos poderes malignos.

Apesar de João viver na Terra ele comunga de visões celestiais. Tais visões são passadas aos crentes com um simbolismo quase e, às vezes, irracional, o qual transmite uma esperança aos que crêem de que Deus transpassa a História que eles vivem deixando uma mensagem secreta para os perseguidores. A forma na qual foi escrita o livro resume o desafio que é para o homem, que é finito, descrever algo que é infinito.

Em tempos atuais novas interpretações apocalipiticas do livro de João tem dado uma ideia de que a volta de Cristo à terra será em caráter destrutivo e vingativo, vingança esta que denotará a ira de Deus por sobre todos. Nas palavras de Brustolin "o dia do Juízo Final, a vinda de Cristo, e a consumação do tempo e do espaço são alguns aspectos da fé cristã que, não raras vezes, causa certo desconcerto, afetando o sentido da esperança dos cristãos", ou seja, tais interpretações podem criar certas ideias que não condizem com a real proposta do livro. "Isso ocorre porque a fantasia apocalíptica desenvolveu a ideia de que a vinda de Cristo será marcada pela ira, pela vingança e por sinais catastróficos" explica o teólogo.

Quanto a esse medo do fim é algo explicado por estudiosos. Para Jelson Oliveira, coordenador do curso de Filosofia da PUC-PR, o fim do mundo tem a ver com a finitude do homem que o assombra diariamente. Para o psicólogo britânico Bruce Hood imagina um final coletivo é algo inato ao ser humano. "O fim do mundo sempre foi uma ameaça usada especialmente pelas religiões para impor parâmetros de comportamento aos indivíduos [...] A destruição de cidades (Sodoma e Gomorra são um bom exemplo) é anunciada como vingança pelos pecados da população. Ou seja, a morte do fim do mundo aparece como medida moral" diz Oliveira.

Esse receio de fim de mundo tem sido ajudado pelo conhecido calendário. Com a chegada de datas redondas como as viradas de milênios, onde tanto nos anos 1000 quanto nos anos 2000, nos quais foram registrados de forma escrita e científica percepções das mudanças que tais datas implicaram, dão a chance ao homem de reavaliar sua conduta moral e ética e reestruturar sua posição no reino da vida, tanto como indivíduo como espécie.

Por mais que seja assustador os acontecimentos descritos no Apocalipse de João deve-se ter em mente que a humanidade caminha para a comunhão com Deus no final de tudo. O homem, enfim, viverá em comunhão com Deus e todas as dores terão acabado. O sofrimento não terá mais lugar porque "Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não mais existirá, e não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas anteriores já passaram."

Fonte:
SILVEIRA, Evanildo da. Apocalipse: O fim do mundo. Fúria Divina sobre a Terra. Super Interessante, São Paulo, n.291, p.9-13, maio 2011.

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