quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Islã: Seu significado, doutrina, vida religiosa e teologia - PARTE 1/3

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pelas figuras. Os méritos são dos autores.

O que significa a palavra islã?

O islã teve origem na Arábia e ainda hoje está intimamente relacionado à cultura árabe. Entre outras razões, porque o livro sagrado dos muçulmanos, o Corão ou Alcorão, foi escrito em árabe. Em conseqüência, o elemento árabe é importante no islã, embora hoje só uma minoria dos muçulmanos seja árabe. O islã está amplamente difundido em vastas regiões da África e da Ásia, e é praticado por uma sétima parte da população do mundo (por volta de 15%). Atualmente é a segunda maior religião do planeta depois do cristianismo, e grandes levas de imigrantes asiáticos e africanos o transformaram também na maior religião de minorias étnicas na Europa. 

A palavra árabe íslam significa "submissão". É um significado forte. Percebe-se na raiz do nome algo essencial nessa religião: o homem deve se entregar a Deus e se submeter a Sua vontade em todas as áreas da vida. Trata-se da condição para ser muçulmano, palavra árabe que tem a mesma raiz que
íslam.

Como religião, o islã não compreende apenas a esfera espiritual, mas todos os aspectos da vida humana e social. A interpretação da lei, o direito, sempre ocupou um lugar relevante na história do islã. Na maioria dos países islâmicos, os que têm conhecimentos jurídicos costumam atuar como
líderes religiosos. Não existe um sacerdócio organizado.

Uma descrição geral do islã se divide em três tópicos principais:
  • credo (monoteísmo e revelação);
  • deveres religiosos (os cinco pilares), e
  • relações interpessoais (ética e política).
Antes de examinar esses aspectos, porém, é indispensável dizer algo acerca do fundador do islã: Maomé, Mohammed ou Muhammad.

Maomé

Por muito tempo o islã foi conhecido no Ocidente como "maometanismo", em razão da forte influência do profeta Maomé sobre o islã.

O islã, a mais recente das grandes religiões mundiais, remonta a Maomé, que nasceu em Meca, na Arábia, no final do século VI, por volta de 570 d.C. Filho de uma das principais famílias da cidade —
importante centro comercial e posto de parada para as caravanas que transitavam pela península Arábica —, Maomé ficou órfão ainda criança. Um de seus tios, Abu Talib, cuidou dele e o sustentou quando ele começou a fazer suas prédicas. Foi esse mesmo tio que levou Maomé a trabalhar como condutor de camelos para Khadidja, a rica viúva de um mercador, de excelente família, que embora quinze anos mais velha que ele, mais tarde se tornou sua esposa. Khadidja foi a primeira a seguir Maomé quando ele lhe falava das revelações que tinha; ela exerceu bastante influência em seu desenvolvimento religioso. Maomé nunca teve outra esposa.

A formação religiosa de Maomé

Meca era não apenas um importante centro comercial, mas também um dos centros religiosos da Arábia. As tribos nômades que viviam próximas à cidade já consideravam sagrada a pedra negra de Meca, que recebia peregrinações bem antes da época de Maomé. Porém, tanto em Meca como entre os beduínos, cultuavam-se e se adoravam muitos deuses e seres sobrenaturais. Com freqüência, tratava-se de deuses tribais, já que a tribo e a família eram centrais para o modo de vida dos nômades. Não existia nenhum sistema legal fora da tribo. Se um indivíduo transgredisse as leis e os costumes desta, era expulso como fora-da-lei.

A tribo era unida pelos laços de sangue. Se um de seus membros fosse assassinado, a linhagem da tribo sofria. Essa perda tinha de ser compensada por uma vingança, prática bastante difundida, que
resultou em diversas rixas sangrentas entre as tribos beduínas.

Na época de Maomé, em muitos lugares a transição da sociedade beduína nômade para uma sociedade urbana mais fixa ia causando a extinção da religião tradicional. Em decorrência disso, aumentou a influência das duas grandes religiões, o judaísmo e o cristianismo. Maomé foi particularmente influenciado pelo monoteísmo e pela noção de fim do mundo acompanhado do Juízo Final.

Os judeus se estabeleceram em toda a Arábia depois da queda de Jerusalém e da destruição do Templo, no ano 70 d.C, e aos poucos passaram a adotar a língua e o estilo de vida árabes, ao mesmo tempo que mantinham sua própria crença e seu culto mosaico.

Também o cristianismo se espalhou rapidamente por todo o Oriente Médio durante os primeiros séculos da nossa era. Havia Estados cristãos como a Abissínia (atual Etiópia). Muitas tribos beduínas se converteram ao cristianismo, e era possível encontrar cristãos entre os escravos e as camadas inferiores em Meca.

Provavelmente foram os monges e eremitas cristãos, os quais viviam isolados do mundo no deserto da Arábia, que exerceram a maior influência sobre Maomé. A atitude do Corão para com esses cristãos, que estimavam mais a comunhão com Deus do que o comércio, é uma atitude positiva. Devotos e generosos, eles ajudavam os viajantes no deserto.

É necessário que compreendamos o panorama religioso extremamente complexo da Arábia para podermos apreciar o crescimento do islã.

Deus se revela a Maomé

Todo ano, Maomé se retirava para uma caverna numa montanha dos arredores de Meca, onde meditava. Esse também era o hábito dos monges e eremitas cristãos, que, diferentemente de Maomé, fundamentavam suas meditações em algum texto ou passagem selecionada, em geral dos evangelhos. Ao completar quarenta anos, Maomé teve uma revelação na caverna. O anjo Gabriel de repente lhe apareceu com um pergaminho e ordenou a ele que o lesse. Maomé respondeu que não sabia ler, e o anjo disse:

Recita em nome do teu Senhor, que criou, criou o homem a partir
[de coágulos de sangue.
Recita! Teu senhor é o Mais Generoso, que pela pena ensinou ao
[homem o que ele não sabia.

Em árabe, a palavra recitar tem a mesma raiz que Curan, que significa "ler", ou "ler alto". O Corão é o livro sagrado dos muçulmanos e reúne as revelações de Maomé. Assim, os muçulmanos, do mesmo modo que os judeus e os cristãos, passaram a ter um texto sagrado. O Corão só foi escrito depois da morte de Maomé. Seus 114 capítulos (suras) foram arranjados de maneira tal que os mais longos vêm primeiro, mesmo os que Maomé recebeu numa data posterior aos mais curtos. A exceção é a sura 1, no início do Corão.

De Meca a Medina

Depois de sua revelação, Maomé começou a pregar em Meca. Ele se proclamou profeta ou mensageiro de Deus, o que foi visto pelas famílias poderosas de Meca como uma tentativa de usurpar a autoridade política da cidade. Grupos importantes também se opuseram a suas afirmações de que Alá era o único e verdadeiro Deus. Se fossem jogar fora todos os velhos deuses e deusas que seus antepassados adoraram, estariam reconhecendo que estes tinham sido pagãos.

A oposição a Maomé cresceu. Após a morte de seu tio e de sua esposa, as coisas pioraram cada vez mais para o profeta e seus seguidores em Meca. Nesse ínterim, Maomé havia atraído outros seguidores na cidade de Medina, os quais estavam prontos para aceitá-lo como um dos seus. Assim, em 622, ele saiu de Meca em segredo e alguns dias depois chegou a Medina, onde seus seguidores já o esperavam.

A emigração de Maomé é conhecida em árabe como a Hijra (Hégira), que significa "rompimento" ou "partida". Maomé rompeu com a própria comunidade, os parentes e sua cidade natal. Não se tratou de uma fuga, mas o fato foi comparado à história bíblica de Abraão que, atendendo à ordem de Deus, deixou seu lar em Ur, na Mesopotâmia.

Maomé como líder religioso e político

Em Medina, Maomé logo se tornou um líder religioso e político. Assaltando as caravanas que pertenciam às famílias de Meca, conseguiu se firmar financeiramente. Essas atividades faziam parte de sua luta para obter o controle da cidade de Meca, com seu acesso à relíquia sagrada da Caaba, e também para difundir a nova religião. O nome dado a essa batalha, ou luta jihad —, é o mesmo que mais tarde foi empregado para designar a guerra santa. A luta pela causa de Alá ganha precedência sobre todos os outros interesses, bem como sobre as tradições e os conceitos morais e religiosos herdados do passado.

Na década seguinte, Maomé tomou a cidade de Meca e, por meios militares e diplomáticos, subjugou grande parte da Arábia. Antes de morrer, em 632, ele tinha conseguido unir o país e transformá-lo num só domínio, onde a religião se tornara mais importante que os antigos laços familiares e tribais.

O cisma no Islã após Maomé

Quando Maomé morreu, os muçulmanos passaram a ser liderados por califas, ou sucessores. Os três primeiros califas eram parentes do profeta ou estavam entre os primeiros convertidos. O quarto califa, que se chamava Ali, era filho do tio de Maomé, Abu Talib, e portanto seu primo. Mas Ali era também genro de Maomé, casado com sua filha, Fátima.

O cisma no mundo islâmico começou na época de Ali. Sua liderança foi repleta de controvérsias, e ele acabou assassinado pelos adversários. Desde a morte de Maomé, seus seguidores acreditavam que Ali, por ser o parente mais próximo do profeta, era o sucessor natural. O partido de Ali, ou Shiat Ali, formou a base para o ramo do islã que hoje é conhecido como Shia, adotado como a religião oficial do
Irã.

Assim, a principal dissidência no islã não foi causada por uma divisão ideológica, mas por um desacordo sobre quem devia ser o líder. A facção xiita (Shiat Ali) acreditava que o líder devia ser um
descendente direto do profeta, ao passo que a facção maior, a sunita, julgava que a liderança cabia ao indivíduo que de fato controlava o poder.

Após a morte de Ali, o califado teve sede em Damasco por algum tempo e a seguir instalou-se em Bagdá, onde permaneceu por um período de quinhentos anos. Depois disso, a liderança passou para o sultão turco de Istambul. O último sultão foi derrubado em 1924, e desde então o mundo islâmico deixou de ter um califa como líder.

A difusão do Islã

Não obstante o cisma, o islã se espalhou rapidamente. No século seguinte à morte de Maomé, as duas grandes potências da época, o Império persa e o Império bizantino, entraram em declínio. O vácuo foi preenchido pelos conquistadores árabes, que tinham uma nova religião pela qual lutar. Partindo do Norte da África, eles atravessaram o estreito de Gibraltar, entraram na Europa e chegaram até Poitiers, na França, onde foram detidos. Durante vários séculos os árabes dominaram a metade sul da península Ibérica, a Andaluzia, onde ainda se encontram vestígios da cultura árabe.

Apesar do colonialismo europeu do século XIX, até hoje o islã predomina no Norte da África, de onde se espalhou por vastas áreas da África Oriental e Ocidental.

Logo que se iniciou, o islã avançou para o Oriente, em direção à Índia e à Indonésia. Quando a Índia, antiga colônia britânica, conquistou sua independência, temendo a explosão de uma guerra entre hindus e muçulmanos, estabeleceu dois Estados separados: a Índia, com maioria hindu, e o Paquistão, com maioria muçulmana. O Paquistão Oriental depois se tornou independente, com o nome de Bangladesh.

Atualmente o grande movimento pan-islâmico se divide em Estados-nações que lutam por uma maior unidade muçulmana internacional, mas também competem entre si pela liderança. Nos últimos anos os países europeus receberam um grande número de imigrantes muçulmanos vindos da África e da Ásia, o que levou o islã a se tornar a segunda maior religião da Europa de hoje.


REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.:118-123.

2 comentários:

  1. Bom dia!

    Tive acesso a esse blog através de outro, Meu Mundo Mil Ideias.

    Esses posts que falam sobre o Islã me chamaram a atenção, principalmente por serem transcrições de um livro que fala sobre as religiões.

    Tenho várias correções a fazer sobre esse livro, começando pela parte da sura 4:31.
    A 4ª sura é a An Nissá (As Mulheres) e não diz que o homem tem autoridade sobre a mulher por ser superior.

    Diz o seguinte: "Se evitardes os grandes pecados, que vos estão proibidos, absolver-vos-emos das vossas faltas e vos proporcionaremos digna entrada (No Paraíso)"



    A parte que diz que pode bater nas mulheres, explico o seguinte, na mesma 4ª sura, porém na aya 34:

    "Os homens são os protetores das mulheres, porque Allah dotou uns com mais (força) que as outras, e porque as sustentam do seu pecúlio. As boas esposas são as devotas, que guardam, na ausência (do marido), o que Allah ordenou que fosse guardado. Quanto àquelas de quem constatais rebeldia, admoestai-as (na 1ª noite), abandonai em seus leitos (na 2ª vez) e castigai-as (na 3ª vez); porém, se vos obedecerem, não procurei meios escusos (contra elas). Sabei que Allah é Excelso, Magnânimo.

    Se temerdes desacordo entre ambos (esposo e esposa), apelai para um árbitro da família dele e um da dela. Se ambos desejarem reconciliar-se, Allah os reconciliará, porque é Sapiente, interadíssimo".

    O Islã não prega a agressão contra a mulher. Veja nessa aya que está propondo formas de reconciliação, mediação de um conflito, sem apelar para o castigo. Isso é apenas em último caso. Mas quem é sábio e sensato, entende que seguindo essas formas de reconciliação e mediação de um conflito, não vai apelar para o castigo. O homem que bate na mulher está cometendo um pecado muito grande, porque está usando a força que Deus lhe deu para oprimir, ao invés de proteger. Deus nos faz certas concessões para nos testarmos. Para saber a índole de uma pessoa não basta conceder um pouco de poder à ela? Deus sabe isso melhor que a gente.

    O fato do homem ser mais forte não o faz superior. Pelo contrário, ele tem uma responsabilidade maior com aquele ser que o completa, que é a mulher. Tudo o que Deus nos concede não é nosso, está conosco sob custódia.

    Como muçulmana revertida, me senti na obrigação de fazer essas observações. Não é culpa sua pois esse texto foi tirado de um livro que fala de religiões.

    Abaixo, tem um link do Alcorão em Português, para você conhecer melhor.

    http://www.readthequran.org/ONLINE/PORTUGUESE1/001.html


    Espero que não tenha levado a mal o meu comentário, só me reservei ao direito de resposta.


    Assalamu alaykum (que a paz de Deus esteja com você)

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    Respostas
    1. De forma alguma eu acharia este seu comentário como algo ruim... pelo contrário. Muito bom! Como disse, eu retirei na íntegra este texto de um livro, ou seja, ele é a visão de apenas um autor. Assim, comentários como os seus vêm como complemento. E isso é bom. Agradeço muito sua participação. Valeu mesmo.

      A Paz

      CHAGAS

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