quarta-feira, 1 de maio de 2013

Era para ser mais uma noite

Por Carlos Chagas

Toda história impactante começa assim. E a minha não podia ser diferente. Era noite. Na verdade, o início dela. Fazia frio, ventava e era esperada a chuva, que não veio. Dentro de casa uma sala quente, confortável, controle remoto na mão. Assistia TV e tomava meu caldo favorito. Não que eu quisesse o caldo. Se tivesse uma pizza de frango com catupiry até que eu trocaria! Mas esse ainda não é o início da minha história.

O vento soprava, via meu filho, deitado no colchão estendido no chão, aos meus pés. Pensava em seu futuro e o meu com ele, claro, ao meu lado. Sempre ao meu lado. Pensava em suas brincadeiras enquanto criança, em seus estudos, em seu primeiro emprego, em sua família um dia constituída: minha nora e netos. Tão belo ele ali e eu aqui. Mas ainda não é o início da história.

Minha mente, em dado momento se esvaiu. Tudo que naquele instante eu pensava deixou-me. Lembrei de um dia atrás. Lembrei-me de meu amigo. Lembrei-me da nossa conversa naquele dia. Era sobre seu recrutamento pelo Exército Brasileiro e seu teste de sobrevivência na mata de Santa Luzia. 5 dias. Dias estes que seriam um pequeno teste do Exército para seus homens. Para ele, um grande período onde tristezas e conhecimentos viriam à tona. Para mim, um turbilhão de conexões dos pensamentos. Pensei em meu amigo. Pensei em meu filho. Pensei em ambos.

Meu amigo também é filho. Pensei em seu pai (e mãe também!) e em como ele deve ter recebido a notícia que seu filho passaria fome, frio, sede, medo e insegurança. Pensei então em mim e meu filho. Confesso que chorei. Chorei pela angústia de um pai que sente primeiro o que o filho vai sentir. Temi pelo meu amigo. Temi pelo seu pai que nem conheço. Temi pelo meu filho. Temi por mim. Em instantes, ainda com o caldo no prato, o qual se esfriava não na mesma proporção do corpo do meu amigo que, naquela noite sofria com o frio de 10 graus Celsius, mas com sensação térmica abaixo, já que todos dormiam molhados naquela noite, comecei a orar, não por mim, não pelo meu filho, não pelo meu amigo, mas pelo pai dele que, como eu, sentiu primeiro a dor do filho. Depois orei por todos nós. Orei pelo prato que comia. Orei pela refeição do meu amigo, que mais tarde descobri que havia sido uma cloaca de galinha com olho de coelho. A melhor do dia já que haviam achado ambos os animais na mata.

Após as orações pedi a Deus que me acalmasse e me perdoasse. Não só pelo egoísmo de pensar apenas em meu filho até aquele momento. Não por não pensar em meu amigo que naquela noite sofria num "pequeno" teste do Exército. Não por não levar em conta o sofrimento alheio, mas porque depois de tudo isso, de toda essa reflexão, fui acometido em desejar, novamente, a pizza de frango com catupiry. Por que esse egoísmo?

A noite continuava. O vento soprava. A sala continuava quente. A refeição gostosa. A tensão por sobre meu amigo. As atenções paternas em seus respectivos filhos. E meu egoísmo, que do nada veio aparecer nocivamente para mim. Mas algo de muito bom aconteceu: A chuva não veio! GRAÇAS A DEUS. Quem sabe o Pai pensou em seus filhos naquela mata naquela noite?

Obrigado a Deus pela misericórdia. Obrigado a você Waltin pela amizade. Obrigado!

P.S.: Ha! Ainda não é o fim da história...


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