terça-feira, 11 de maio de 2010

O livro de Filemom: Introdução ao estudo e breve aplicação para hoje

Por Carlos Chagas

A ocasião e o propósito da carta

A mais breve das epístolas que integram o corpo de escritos paulinos e o Novo Testamento a epístola de Filemom pode ser considerada também como uma espécie de bilhete no qual Paulo tenta de forma persuasiva ajudar nas relações de Senhor/Escravo, não ausentando o caráter de epístola, que tem como característica sua leitura comunitária (o problema de Filemom foi a conhecimento de todos da comunidade ao menos pela epístola de Paulo). Filemom era um cristão da comunidade de Colossos, provavelmente uma pessoa de posses (o fato de ter escravos permite tal ideia), e de destaque na comunidade (v. 4, 7). Onésimo, escravo fugido de Filemom, cometera uma ato injusto contra o seu senhor (v. 18), ato do qual não se sabe o que especificamente, e fugira. Este escravo teve um encontro com Paulo, no qual ele relatou toda a situação. Tal encontro pode ter sido com Paulo na prisão ou apenas uma tentativa de refúgio na companhia do apóstolo. Paulo pede a Filemom que receba Onésimo novamente como seu escravo em qualidade de irmão (v. 16) e como se fosse o próprio apóstolo (v. 17).

O fato de Paulo deixar claro para Filemom que ele o restituirá em tudo (v. 18) demonstra mais que a possibilidade de roubo (teria havido roubo?), uma vez que as leis romanas deixavam claro que que acolhesse um escravo fugitivo assumiria o montante de cada dia de trabalho perdido a ser entregue ao seu dono. Também parece que Onésimo conhecia bem as leis que regiam a Roma. Uma delas dizia que um escravo fugido poderia encontrar repouso na casa de um amigo ou familiar. Contudo isso é difícil de aceitar devido à passagem do v. 13 onde Paulo transparece a outra parte da lei romana que dizia que um escravo deveria ser vendido para pagamento das despesas do seu antigo dono. Paulo queria ter Onésimo ao seu lado, todavia com o prévio consentimento de Filemom.

Algumas coisas ficam sem explicações claras na epistola: (1) Com relação ao tempo de duração da estadia do escravo junto ao apóstolo pode ter durado um tempo maior que o normal para a época; (2) não se sabe se a epístola tem o objetivo de Paulo buscar uma certeza de que Onésimo será aceito novamente por Filemom, ou se Paulo que sondar a possibilidade de Onésimo ser seu companheiro de pregações; (3) e o fato de Paulo pedir para Filemom aceitar Onésimo como um membro da família (v. 15-16) é um tanto quanto forçada para a época.

A liberdade do escravo era tão oficializável como o ato de torná-lo escravo. Ao fugir o escravo poderia comprar sua liberdade depositando nos altares dos deuses romanos determinadas quantias, as quais eram transferidas pelos sacerdotes destes templos ao seu antigo senhor à medida que este escravo comprava sua liberdade. Nos templos de Apolo e Delfos era possível ler os nomes dos escravos que estes deuses libertavam. Mas o ato do perdão era algo mais complicado. Paulo usara de pensamentos repletos de revolução intelectual e cultural ao pedir a Filemom que o aceite sem maldades; como irmão, enquanto que ele, segundo os costumes da época, poderia prendê-lo e depois castigá-lo com brutalidade. Até mesmo a crucificação era aceita.

Sendo assim, Paulo não procura forçar Filemom com palavras. Antes ele procura trabalhar o coração de Filemom com os ensinos cristãos que ele possui, deixando claro que prejuízos financeiros ele não terá (v. 19), usando com ele tom suave no argumentar (v. 8, 9) e esperando uma atitude que brote do coração de Filemom (v. 14). Portanto Paulo não o força a nada.

A epístola toma um ar de correnteza da compaixão cristã (v. 12) com uma lembrança bem usada por Paulo de certa dívida de Filemom para com ele (v. 19b) em prol da vida de Onésimo. A epístola possui notas características como "em nome do amor" (v.9), "reanima-me o coração em Cristo" (v. 20), "recebe-o como se fosse a mim mesmo" (v. 17) e "sabendo que farás mais do que estou pedindo" (v.21) deixando um ar de confiança e certeza de que seus pedidos serão atendidos. E não há como não dizer que tais pedidos não foram realizados porque se não o fossem com certeza a epístola não teria sido preservada em Colossos tal como foi.

Lugar de origem e a data

Percebe-se um cuidado com os nomes colossenses citados por Paulo nesta epístola (ver Cl 4.7-17). Percebe-se também que Paulo se encontra prisioneiro (vv. 1, 9, 10, 23). Logo esta epístola foi escrita na mesma época de Colossenses.

Argumenta-se que foi o próprio Paulo quem escreveu o bilhete a Filemom, o que descarta a idéia de que Paulo tenha sido um prisioneiro algemado, mesmo quando ele o cita em sua epístola aos colossenses (Cl 4.3, 4, 18). Paulo talvez se referisse às algemas devido a impossibilidade de pregar tal como ele queria, uma vez que ele estava preso como que por algemas. Sustenta-se a idéia de que Paulo estivesse preso como um homem em “livre custódia”, tal como era em Roma (At 28.30-31), o que lhe concedia certos privilégios e um deles era ensinar pessoalmente ou por cartas, mas com devidas restrições. Provavelmente seu lugar de aprisionamento era em ou perto de Éfeso. Isso é sustentado por dois trechos bíblicos: Um é o fato de Paulo pedir aos colossenses, através da carta a Filemom, que preparem para ele uma pousada porque parecia a ele que logo ele seria solto (v. 22), e também por parecer congruente com seus planos na ocasião de seu ministério efésio (At 19-20). Segundo registros Paulo nunca visitou a região de Colossos após sua partida de Éfeso. A situação de sua prisão e soltura fez com que ele se sentisse meio incomodado de voltar a tal região. Então ele prossegue com seu ardente plano de pregar em Roma (At 20.16, 17; cf. v.23).

Uma vez em Roma seus planos era continuar viagem até a Espanha (Rm 15.23-24, 28). Devido esse desejo nasce outra hipótese, porém mais inconstante da origem da escrita do bilhete a Filemom. Segundo estudiosos, Paulo ainda estava em Roma quase de partida para a Espanha quando encontrou com Onésimo, quando este fugia para Roma procurando anonimidade na cidade Imperial, o que seria um refúgio e início de vida para ele. Todavia este acabou se encontrando com Paulo, causando uma grande mudança nos planos do apóstolo. Talvez Paulo tenha repensado sobre a forte e falsa doutrina a que Colossos estava sendo apresentada. Paulo pode ter revisado seu itinerário quanto à visita ao vale do Lico. Ainda segundo estudiosos mais uma indicação de que a epístola tenha nascido em Roma é o fato de Lucas e Marcos estarem na lista de Paulo (v.24). Lucas estava com Paulo em Roma e não se tem indícios de que ele esteve em Éfeso. Marcos é tradicionalmente associado com Roma, não com Éfeso. Porém não se pode afirmar com tanta certeza de que tal epístola foi escrita em Roma baseando-se apenas no silêncio das maiores informações ou no vácuo de ligação entre elas. Logo, esta linha de evidência, considerada indecisiva e neutra, não caminha mais além do que isto.

Partindo do pressuposto de que quase todos os estudiosos das epístolas de Filemom e Colossenses aceitam um estreito vínculo entre ambas as cartas e de que é preferível aceitar que Paulo escreveu-as durante sua estadia na prisão de Éfeso datar-se-á então no final da década de 50. Caso opte-se por ser de Roma sua origem, datar-se-á nos anos iniciais da década de 60.

Esboço de Filemom

I- Saudação 1 - 3
II- Ação de graças em relação a Filemom 4 - 7
  A. Louvor pessoal 4
  B. Características dignas de louvor 5 - 7
III. Petição de Paulo por Onésimo 8 - 21
  A. Um pedido de aceitação 8 - 16
  B. Uma garantia de reembolso 17 - 19
  C. Uma confiança na obediência 20 - 21
IV- Preocupações pessoais 22 - 25
  A. Esperança de libertção 22
  B. Saudações 23 - 24
  C. Bênção 25

A epístola de Filemom para a atualidade

Apesar desta epístola não apresentar questões doutrinárias como as demais epístolas paulinas o bilhete a Filemom possui uma mensagem bastante forte no quesito dos relacionamentos pessoais. No século I a escravidão fazia parte do círculo natural da vida. Ninguém pensava em aboli-la. O Novo Testamento foi e é muito criticado pelo fato de não ter tido voz ativa contra a escravidão, e isso é fato. Contudo a epístola de Filemom é um "tapa de luva" quando se fala de relacionamentos entre pessoas de status diferente na sociedade. Nesta epístola não é difícil perceber como que Paulo coloca Filemom e Onésimo no mesmo nível diante de Deus. Ambos servem a Cristo, logo são tratados imparcialmente por Deus, que os vê como iguais. Nesta demonstração de igualdade é que Paulo continua trabalhando seu ideal de servidão a Deus como pode ser visto nas demais epístolas (Gl 3.28; Cl 3.11; 1 Co 7.20-24; etc). A escravidão, pelo menos para Paulo, se torna algo inútil diante da grande mensagem de salvação do Evangelho. Todavia Paulo não repreende tal prática, mas deixa pistas para reflexões do tipo "quem tem ouvidos ouça" ou "quem tem coração reflita".

É no v. 16 que está a suma da epístola. Paulo apela para que Filemom veja seu escravo não somente como tal, mas como seu irmão em Cristo, o que era extremamente difícil uma vez que escravos não eram vistos como pessoas, mas como mão-de-obra; ferramenta viva. Tal apelo leva os cristãos de hoje a repensarem sua posição social, mesmo que nos dias de hoje não se veja mais escravidão como antes. Paulo coloca que trabalho e vida social não fogem às leis evangélicas, o que deve ser refletido nos dias de hoje. Um(a) empregado(a) nunca deve ser oprimido(a) sem que antes a consciência do seu(sua) chefe passe por uma reflexão. E vice-versa. Nunca o(a) empregado(a) deve agir sem meditar no Evangelho para a conseqüente ação posterior em seu posto social e profissional. E não só nestas áreas da sociedade, mas em todas deve-se ter tal meditação.

Vale lembrar que todos são escravos do Evangelho. E mesmos escravos do Evangelho conseguem se ver livres no próprio Evangelho, no qual todos são apenas um, os quais lutam para apenas um, Nosso Senhor Jesus Cristo. À Ele a dívida de gratidão deve ser sempre paga em amor ao próximo; dívida que não se extingue; dívida que não é por troca pela salvação; nem por pagamento, mas pela provocação de se amar onde o amor não é aceito e muito menos possível. Num mundo de insanidade, a insanidade divina de se desejar algo impossível, contudo cativante, se torna o melhor dos convites, o qual, por milagre, torna-se o impossível mais praticável e desejado do mundo indo contra qualquer razão ou status.

Referências Bibliográficas


MARTIN, Ralph P. Colossenses e Filemom: Introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2005.


CARSON, D.A., MOO, J., MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.


BÍBLIA SAGRADA Plenitude, Edição de Estudos.

3 comentários:

  1. pastor gilmarreta no orkut pr.gilmarreta bfcc
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  2. Carlos! Paz de Cristo. É com enorme prazer que elogio esse breve resumo e interpretação da Epístola de Paulo á Filemom; Grande abraço.

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