terça-feira, 16 de agosto de 2011

Budismo: Sua doutrina, vida religiosa e teologia - Parte 2/2

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pelas figuras. Os méritos são dos autores.

Esta é uma continuação da 1ª Parte (para lê-la clique aqui).

Outras regras mais estritas

Em certos períodos, alguns leigos se submetem a uma disciplina mais estrita. Alguns vão mais longe, seguindo as mesmas regras que se aplicam aos monges e monjas noviços. Nesse caso, as cinco regras passam a incluir, por exemplo, a abstinência sexual (celibato). Além disso, há outras cinco regras:

- Não comer em horas proibidas (por exemplo, após o meio-dia).
- Afastar-se de todos os divertimentos mundanos.
- Abdicar de todos os luxos (como jóias, perfumes etc).
- Não dormir numa cama macia nem larga.
- Não aceitar nem possuir ouro, prata ou dinheiro.

O perfeito meio de subsistência

O quinto estágio do caminho das oito vias é o perfeito meio de subsistência. Significa, entre outras coisas, que se deve escolher um meio de vida que não obrigue à infração das cinco regras de conduta. Embora um budista possa comer carne, não deve ser açougueiro. Embora possa tomar um copo de vinho, não deve ser comerciante de vinhos. Embora sirva ao exército de seu país, não deve ser um negociante de armas.

A melhor de todas as vidas é a do monge, pois ele pode se devotar inteiramente ao caminho das oito vias.

O valor da doação

As cinco regras de conduta estão expressas na forma negativa, mas quando são seguidas, seus aspectos positivos aparecem. O oposto de fazer mal é demonstrar amor e compaixão. O oposto de roubar é dar. Uma das coisas mais positivas que um budista pode fazer é dar presentes. Isso significa sobretudo fazer doações para as sociedades monásticas, que dependem totalmente da caridade dos leigos. Tais presentes elevam o carma da pessoa. Mas dar com a intenção de obter algo em troca não basta. Quanto mais puro o motivo para dar, melhor carma trará.

Buda exortava os que desejavam lhe querer bem a querer bem aos doentes. Muitos mosteiros se empenham em trabalhos humanitários. Os budistas se preocupam especialmente em cuidar dos moribundos. A morte é um momento decisivo em relação ao nascimento; portanto, o objetivo é ter uma boa morte.

A coabitação e o papel das mulheres

O casamento não é sagrado para os budistas, mas apenas um tipo de acordo entre as partes. Por esse motivo os monges não celebram casamentos. No Japão, quando os budistas se casam, procuram um sacerdote xintoísta. O divórcio, embora ainda pouco comum na maioria das culturas budistas, também não é uma questão religiosa.

O marido deve mostrar respeito para com sua mulher, e esta, por sua vez, deve cumprir seus deveres domésticos. Apesar de várias mulheres em países budistas desfrutarem de uma posição elevada, normalmente se considera menos vantajoso renascer como mulher do que como homem.

A vida religiosa

Monges, monjas e leigos

Buda criou uma nova ordem, a sociedade monástica, independente do sistema de castas. Para seguir à risca os ensinamentos do Buda, era necessário deixar para trás todos os cuidados e as preocupações relativas à família e à vida social. Até hoje a ordem monástica constitui a espinha dorsal da vida religiosa na maioria das terras budistas.

Dessa maneira, ao considerar a vida religiosa budista, é importante distinguir entre os monges e as monjas, por um lado, e, por outro, os leigos. Monges e monjas têm regras de conduta muito mais estritas do que os leigos. Em primeiro lugar, há as dez regras, que também se aplicam aos noviços; além disso, há várias centenas de outros mandamentos e in-junções que definem tais regras com mais precisão.

Como já vimos, os monges e as monjas levam uma vida de simplicidade e pobreza. Desde os dias do Buda, costumam obter o pouco de que necessitam para sobreviver pedindo esmolas, o que não é tido, de modo nenhum, como degradante. Pelo contrário: para o leigo, é uma honra dar esmolas aos monges. Em alguns lugares os monges esmolam nas ruas, de porta em porta. Monges vestidos com seu hábito cor de açafrão pedindo comida (em geral arroz) pelas ruas é uma cena comum nos países budistas do Sudeste asiático. Em outras regiões, a tarefa de esmolar adquire uma forma mais organizada; por exemplo, cada casa de família é responsável pela comida do mosteiro em certos dias da semana.

Um mosteiro budista não fica isolado da vida da cidade ou da aldeia. Não são apenas os leigos que têm deveres para com os monges; estes também têm suas responsabilidades para com os leigos. Em determinados dias, instruem os leigos sobre os ensinamentos do Buda. As pessoas comuns podem ainda passar temporadas em retiro num mosteiro, a fim de meditar ou receber instrução especial. Isso costuma acontecer na época das monções. Em países devotamente budistas, como Birmânia e Tailândia, é comum todos os meninos permanecerem algum tempo num mosteiro, aprendendo budismo.

Assim, podemos dizer que os dois grupos — monges e leigos — são interdependentes. Mesmo que um budista não venha a se tornar um monge em sua vida atual, se ele ajudar a sustentar um mosteiro, pode aspirar a ser um monge na próxima encarnação.

O culto

Em tempos antigos o culto religioso consistia inteiramente em venerar as relíquias do Buda ou de outros homens santos. Originalmente as relíquias eram guardadas em pequenos montes de terra (stupas). Aos poucos estas se transformaram naquelas construções características, em forma de sino ou de domo, que hoje chamamos de pagodes.

A partir do século I a.C., tornou-se comum produzir imagens e estátuas do Buda. Elas podem ser vistas por toda parte nos países budistas, tanto nos templos como nos lares. E seja onde for, o budista devoto fará sua confissão — a fórmula tripla do refúgio, também chamada "As Três Jóias":

- Procuro refúgio no Buda.
- Procuro refúgio nos ensinamentos.
- Procuro refúgio na comunidade monástica.

Apesar de os budistas venerarem as imagens do Buda queimando incenso e pondo flores e outras oferendas diante delas, para o budista ortodoxo isso não é propriamente uma adoração formal. Buda foi apenas o guia da humanidade, foi o mestre "glorificado", e como já entrou no nirvana, não pode ver nem recompensar as ações de um budista. Por isso, suas imagens não devem ser adoradas; estão ali para lembrar os ensinamentos do Buda e auxiliar o budista em sua meditação e em sua vida religiosa.

Feriados religiosos

A festa religiosa mais importante para os budistas é o aniversário do nascimento do Buda, comemorado em abril ou maio, na lua cheia. Também se acredita que foi esse o dia da iluminação do Buda e de sua entrada no nirvana. Além dessa data, cada país tem várias festas religiosas, muitas vezes celebradas com peregrinações em massa aos mosteiros ou pagodes mais conhecidos. Para a maioria dos leigos, as festas e outras manifestações devocionais externas desempenham um papel bem mais relevante do que a meditação praticada pelos monges.

Deuses

Buda não negou a existência dos deuses. Como já vimos, foi um deus que o exortou a proclamar sua mensagem para a humanidade. Ele não era um ateu no sentido ocidental. Todavia, acreditava que a existência dos deuses era transitória, assim como a existência humana. Embora eles vivam mais tempo que os seres humanos, em última análise também estão atrelados ao ciclo do renascimento. Ainda não alcançaram a "outra margem" e, portanto, não podem redimir o homem de tal ciclo. Por isso, o papel dos deuses é insignificante na literatura monástica budista.

Não obstante, nos países budistas há uma adoração generalizada de demônios, espíritos e várias outras divindades. Diferentemente do próprio Buda, todos estes são seres vivos e ativos, os quais — se cultuados de modo correto — podem trazer vantagens mundanas. Os templos budistas muitas vezes contêm estátuas de deuses como Vishnu, Indra e Ganesha, mas sempre dispostas de maneira subserviente a Buda.

O budismo tem espaço para um amplo espectro de cultos e sentimentos religiosos. Essa é uma importante razão pela qual o budismo ganhou tão ampla aceitação em toda a Ásia.

A difusão do budismo

Não muito depois da morte do Buda ocorreu uma divergência entre seus discípulos acerca da maneira como os ensinamentos dele deviam ser interpretados. Um século mais tarde (por volta de 380 a.C.) foi realizado um concilio. Como diversos monges expressaram o desejo de moderar a disciplina monástica, o encontro terminou numa divisão entre uma facção conservadora e outra mais liberal.

Na época moderna é costume distinguir entre duas tendências principais: Theravada ("a escola dos antigos"), predominante no Sul da Ásia (Birmânia, Tailândia, Sri Lanka, Laos e Camboja), e Mahayana ("o grande veículo"), predominante no Norte da Ásia (China, Japão, Mongólia, Tibet, Coréia e Vietnã).

Theravada - O caminho da auto-redenção

Como sugere o nome Theravada ("a escola dos antigos"), essa escola acredita representar o budismo em sua forma original. De acordo com os ensinamentos do Buda, enfatiza a salvação individual por meio da meditação. Como não existe nenhum deus para redimir o homem do ciclo dos renascimentos, ela ressalta que o indivíduo deve salvar a si mesmo. Assim, podemos dizer que o budismo Theravada é uma religião de auto-redenção.

Aqui, o Buda é visto como mestre e guia dos seres humanos. Ele não é adorado como um deus, nem pode salvar as pessoas, mas indicou o caminho para a salvação, que pode ser seguido pelo indivíduo.

Na prática, só os monges podem imitar o exemplo do Buda até atingir o nirvana, e mesmo entre eles, muito poucos o alcançam nesta vida. Um monge que pertença a esse pequeno grupo é chamado arhat (venerável). O arhat, como o Buda, já extinguiu seus desejos e venceu o mundo. É um exemplo resplandecente para os leigos e o ideal que todos os budistas perseguem, pois mesmo que um budista não consiga deixar este mundo definitivamente em sua vida atual, ele pode conseguir um bom carma para si mesmo e talvez se tornar um monge numa existência futura.

Podemos dizer que a idéia mais importante do budismo Theravada é que o próprio indivíduo deve assumir responsabilidade por seu desenvolvimento ético e religioso. Não há atalho para a salvação nem para a perfeição ética. Cada pessoa deve começar por si mesma. Isso se aplica aos leigos, bem como aos monges.

Mahayana - O caminho da ajuda mútua

Até agora, baseamos na escola Theravada a representação da vida e dos ensinamentos do Buda, assim como a descrição da vida religiosa budista. A seguir vamos nos afastar dessa abordagem do "budismo comum" e nos concentrar nas características do budismo Mahayana.

Mahayana significa "o grande veículo", ou "a grande nave", e seu nome reflete a crença, predominante no budismo do Norte da Ásia, de que é possível levar todas as pessoas à redenção. O budismo Theravada é chamado de Hinayana, ou seja, "o pequeno veículo", já que leva apenas alguns (os monges) a salvação.

Também na visão que têm de Buda, existem grandes diferenças entre o budismo Mahayana e o budismo Theravada. Enquanto o Theravada considera o Buda apenas um ideal e um raio de salvação, o Mahayana acredita no Buda como o salvador, isso é importante porque implica que os monges não são os únicos que podem ser salvos. Os leigos podem igualmente se devotar ao Buda e, por sua graça, alcançar a redenção.

Os Bodhisattvas

O objetivo do budismo inicial era que o indivíduo atingisse a salvação por seus próprios esforços. O ideal do indivíduo consistia em se tornar um arhat, ou seja, alguém que deixou o mundo para trás e entrou no nirvana. Esse objetivo, porém, era muito estreito para o Mahayana. Interessar-se apenas pela própria salvação é considerado egoísmo. O objetivo deve ser a redenção de todos. Em conseqüência, o ideal religioso do budismo Mahayana é o bodhisattva, o qual, depois de alcançar a iluminação (bodhi) , abdica do nirvana a fim de ajudar outras pessoas a alcançar a salvação. Aqui muitas vezes se ressalta que o próprio Buda abdicou do nirvana imediato por causa da compaixão por seus semelhantes.

Um bodhisattva ("existência iluminada") pode ser qualquer pessoa que resista a se tornar um Buda. No entanto, esse termo se aplica sobretudo a uma longa lista de etéreas figuras de salvador, às quais os seres humanos podem recorrer em busca de ajuda. A única coisa que as distingue de um Buda é que elas não entram no nirvana até que todas as criaturas vivas tenham sido redimidas do renascimento.

Características típicas de um bodhisattva são a compreensão e a compaixão. Hoje em dia é a compaixão do bodhisattva que é mais realçada. A bondade para com as outras criaturas vivas não é considerada simplesmente um ideal, mas o caminho para a iluminação e a redenção.

Com sua doutrina do bodhisattva, o budismo Mahayana se afastou muito dos ensinamentos do budismo Theravada. Assim como o cristão "põe sua vida nas mãos de Deus", o muçulmano "se submete" a Alá e os vaishnavitas "se dedicam" a Vishnu — o budista mahayana pode compartilhar do amor salvador de um divino bodhisattva.

A doutrina do carma e a ilusão do eu

Como já vimos, o budismo Mahayana discorda do Theravada na doutrina de que o homem deve salvar a si mesmo. Isso também implica um rompimento com a doutrina estrita do carma. A idéia de que uma pessoa pode ser salva de seu carma pelos méritos alheios é impensável no budismo do Sul. Porém, o Mahayana tem um conceito próprio de carma: uma vez que há uma relação de dependência recíproca entre todos os seres vivos, não é o carma do indivíduo que é importante.

Nesse ponto, muitos budistas mahayana se referem ao fato de que a experiência do eu, de ser algo separado do mundo ao redor, é simplesmente resultado da cegueira do homem. E apenas os que fizeram pouco progresso rumo à iluminação é que sofrem dessa cegueira. O bodhisattva, por outro lado, já superou a ilusão do eu e não distingue mais entre si mesmo e os outros. Assim, um bodhisattva pode transferir algo de seu bom carma para os que procuram a ajuda dele na luta para atingir o nirvana.

Diversidade religiosa

O hinduísmo e o budismo sempre demonstraram um nível de abertura e tolerância em questões religiosas bem diferente daquele a que estamos acostumados no Ocidente. A diversidade religiosa não é considerada uma fraqueza. Muitos budistas diriam até que o oposto é que é verdade. A força do budismo se revela nos numerosos frutos que ele traz.

O objetivo de todos os budistas é se redimir do ciclo dos renascimentos. A questão consiste em saber que métodos ou recursos devem ser procurados para se atingir esse objetivo. As pessoas são muito diferentes. Os povos asiáticos, em particular, são provenientes de formações culturais bastante variadas. Assim, os métodos utilizados precisam refletir esse fato. Em conseqüência, costuma-se destacar que a experiência é o princípio que deve guiar a escolha dos métodos.

Entre os muitos movimentos dentro do Mahayana, dois atraíram mais interesse nas últimas décadas. São a tendência tibetana Vajrayana (o veículo de diamante) e o zen-budismo japonês. Esses movimentos se destacam do budismo Mahayana de várias maneiras.

Budismo Tibetano

No Tibet, o budismo se incorporou à religião local, denominada Bon. Esta se caracterizava pela crença em deuses e espíritos, que eram cultuados com sacrifícios sangrentos, encenações de mistérios e danças rituais. Vários desses deuses originais continuam sendo cultuados como guardiães dos ensinamentos budistas. Contudo, sob a superfície prevalece a doutrina budista. Os budistas tibetanos acreditam que eles representam a doutrina original, não adulterada.

Algumas características externas mais aparentes do budismo tibetano são as rodas de oração e as bandeiras de oração — objetos que contêm diversas orações e fórmulas escritas. Quando a roda de oração gira — impulsionada ou pela mão de alguém ou pelo vento ou pela correnteza de uma cachoeira — ou a bandeira tremula ao vento, ela põe em movimento "a roda do ensinamento".

O mantra (fórmula mágica ou enunciação sagrada) mais comum no budismo tibetano é Om Manipadme Hum, que significa "Ó tu, que tens a jóia no teu lótus", ou "Seja louvada a jóia no lótus". Essa fórmula é encontrada por toda parte no Tibet: nas rodas de oração, nas paredes, nas rochas e, naturalmente, nos lábios das pessoas. Para aumentar sua eficiência, usa-se um rosário de 108 contas (108 é um número sagrado).



O Lamaísmo

No Tibet o budismo muitas vezes é chamado lamaísmo, do termo lama ("professor" ou "mestre"), nome dado aos líderes espirituais, em geral monges.

Em nenhum outro país do mundo o budismo permeia tão completamente o tecido da sociedade como no Tibet. Grandes parcelas da população se integraram às ordens religiosas de monges e monjas, e os mosteiros sempre tiveram íntimo contato com os leigos. Vários desses mosteiros já abrigaram mais de mil monges e são considerados as maiores instituições monásticas que já existiram.

A originalidade do lamaísmo reside em sua estrutura social. Desde o século XVII o Tibet é governado por um lama principal, ou dalai-lama (oceano de sabedoria), que tem sua sede na capital, Lhassa. O dalai-lama é o líder religioso e político do país. Acredita-se que ele seja a reencarnação de um famoso bodhisattva.

Ao morrer um dalai-lama, os sacerdotes buscam uma criança que tenha sua marca. Quando, depois de vários testes, é encontrada a criança certa, ela é consagrada como o novo dalai-lama.

Budismo tibetano contemporâneo

Em virtude de sua cultura muito distinta e de sua localização inacessível entre as montanhas mais altas do mundo, o Tibet por um longo tempo foi considerado uma espécie de "terra de contos de fada". Porém, em 1959 o conto de fada teve um fim súbito: a China assumiu o controle total do país e o dalai-lama foi obrigado a fugir para a Índia, onde obteve asilo político. Desde essa época, dezenas de milhares de tibetanos se refugiaram na Índia e no Nepal, lugares em que o budismo tibetano continua vivo.

Mosteiros budistas seguindo os padrões tibetanos surgiram na maioria dos países da Europa Ocidental e nas Américas.

Zen-budismo

A maior ambição de todos os budistas é atingir algum dia a iluminação (bodhi), como aconteceu com o Buda debaixo de sua figueira em Bodh Gaya, há 2500 anos. Dentro do budismo, porém, existem consideráveis diferenças de opinião sobre o que essa iluminação implica e como se chega a ela. Dentro da tradição do budismo Mahayana, surgiu na China uma escola especial de meditação que, mais do que qualquer outro movimento, realçava a iluminação como o verdadeiro núcleo do budismo. Esse movimento aos poucos se espalhou para a Coréia e o Japão, e ficou conhecido no Ocidente por seu nome japonês, Zen, que significa "meditação". Como hoje em dia é mais fácil estudar o zen no Japão do que na China, vamos nos concentrar no zen-budismo japonês. No Japão essa vertente budista conta hoje com cerca de 20 mil templos e 5 milhões de adeptos, entre monges e leigos.

"Visão Direta"

O zen-budismo se baseia na iluminação do Buda. Os ensinamentos do Buda, tal como foram passados para os textos budistas, não recebem tanta prioridade. Isso reflete a profunda desconfiança do zen quanto à palavra e sua capacidade de transmitir conhecimento. Não obstante, aquilo que não pode ser transmitido pela palavra pode ser transmitido pela "visão direta". Diz-se que o Buda trouxe a iluminação para seu discípulo mais promissor simplesmente segurando uma flor diante dele, sem nada dizer. Assim, a iluminação vem sendo comunicada de geração em geração pela transmissão não verbal.

Ensina o zen que a iluminação deve vir de dentro, deve ter sua origem no coração do indivíduo. Conta-se que um famoso mestre zen jogou todas as imagens do Buda na lareira a fim de aquecer a sala em que ele e seus discípulos se encontravam.

Os ensinamentos do Buda só podem nos levar até uma parte do caminho. Podem ensinar o rumo certo, mas o importante é vislumbrar aquilo para onde apontam, a iluminação em si. Nós, seres humanos, muitas vezes nos comportamos como crianças; estamos mais interessados no dedo que aponta do que naquilo que ele mostra. É fácil manifestar mais preocupação com as idéias ou os rituais religiosos do que com a experiência religiosa que é objeto dessas idéias e desses rituais. Aqui o método de "apontar diretamente" pode ajudar a obter uma compreensão espontânea da realidade, uma percepção sem restrições, que não precisa de palavras.

Uma vez que a iluminação deve vir de dentro, o zen-budismo não tem nenhuma fórmula fixa para alcançá-la. Mas ela pode chegar quando menos se espera e atingir a pessoa como um raio. É como uma piada que de repente se compreende. De súbito, a pessoa "desperta" — e fica consciente de que faz parte do infinito, de uma maneira inteiramente nova. Isso não vem gradualmente, com o tempo. Quando ela chega de fato, é total. Sua manifestação não está ligada nem mesmo à meditação. Uma experiência mundana qualquer também pode acabar levando, com igual facilidade, ao objetivo desejado.

A "Terapia de choque" Zen-Budista

Alguém já disse que o budismo Theravada busca abrir a porta do nirvana à força, ao passo que o Mahayana quer ficar mexendo a chave até que a porta se abra por vontade própria. Essa descrição talvez seja mais típica do zen-budismo que de outros movimentos mahayanas.

Como vimos, as noções fixas podem ser um obstáculo para a iluminação; portanto, um pré-requisito é a mente se esvaziar de palavras e idéias. O importante no zen é romper com a lógica do discípulo e com seus processos conceituais de pensamento. Desde a era chinesa do zen, a mais antiga, isso sempre foi feito pelos mestres ao apresentar a seus discípulos perguntas e respostas totalmente surpreendentes. A seguinte conversa entre mestre e discípulo serve de exemplo dessa técnica:

DISCÍPULO: Qual é o caminho para a libertação?
MESTRE: Quem está te acorrentando?
DISCÍPULO: Ninguém está me acorrentando.
MESTRE: Então, por que queres ser libertado?

Semelhante a esses diálogos é o uso de charadas que parecem absurdas e sem sentido. O mestre zen pode fazer a seu discípulo perguntas como: "Como era seu rosto antes de você nascer?". Ou: "Que som se produz quando se bate palma com uma só mão?". Ao ponderar esses enigmas, o discípulo zen é levado a experimentar um "sentimento de dúvida" avassalador. E esse "sentimento de dúvida" é vital para a captação direta da realidade.

O zen na vida cotidiana

Uma característica do zen é sua atitude positiva para com as tarefas mundanas. Isso deriva da visão zen sobre o que é a iluminação.

Se se pedisse a um zen-budista que explicasse a iluminação, ele poderia talvez dizer: "O cipreste no jardim!". Ou, se ele realmente estivesse disposto a responder à pergunta em nossos termos, poderia dizer que a iluminação é perceber que não existe iluminação. Como não há nenhuma "verdade" para a qual se deva acordar, e nenhuma "ilusão" da qual se deva acordar, a iluminação é compreender que o mundo é tal qual nós o vemos.

Mas nós estamos agora empregando palavras e conceitos, e assim fazendo, estamos nos distanciando dos ensinamentos do Buda. Talvez devêssemos dizer que não há nenhuma outra maneira de compreender o significado da vida a não ser vivê-la. Em conseqüência, muitos zen-budistas destacam que o trabalho rotineiro pode ser usado como um exercício de meditação. A prática consciente de uma rotina manual pode ser tão favorável para a iluminação quanto a meditação e os rituais religiosos. Por esse motivo, ocupações aparentemente triviais como tomar chá, fazer arranjos de flores e cuidar do jardim passaram a ter grande importância no zen-budismo. No Japão, certos esportes e formas de arte também receberam forte influência do zen: arco e flecha, luta corporal, esgrima, teatro, poesia (haicai), música e pintura.

O reavivamento budista

Em épocas recentes, e em especial desde a última guerra mundial, o budismo passou por um reavivamento, sobretudo entre os budistas com mais treino filosófico. Aspectos importantes desse reavivamento são o trabalho pela unidade do budismo, maior empenho missionário e maior atividade social.

Maior unidade

Diversos concílios mundiais budistas tentaram iniciar uma cooperação budista internacional. Isso inclui um esforço para se obter maior unanimidade de doutrina entre as várias seitas budistas. Os concílios passam a desempenhar, assim, um papel semelhante ao do Conselho Mundial de Igrejas dentro da religião cristã.

Missão

Outro aspecto desse reavivamento budista é a atividade missionária, que começou também no Ocidente. Hoje há milhares de budistas nas Américas e na Europa Ocidental, e várias capitais têm centros missionários. Por outro lado, o budismo perdeu terreno em países da Ásia depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo em razão da ascensão do comunismo.

Atividade social

Houve ainda uma grande mudança no terreno ético. O ideal budista original era trabalhar por sua própria salvação se valendo da meditação, algo que pouco incentiva a atividade social. Mas o budismo também realça a abnegação de si e a caridade, o que tem levado a uma participação ativa nas questões sociais e políticas contemporâneas.

Este texto é continuação de sua 1ª parte. Caso queira ler clique aqui.

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 62-75.

4 comentários:

  1. Fantástico seu blog. Sou grande admirador da doutrina budista e foi bem interessante o que li aqui. A Paz esteja contigo

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  2. Carlos, gostei imensamente do teu blog. Frequento a muito tempo uma sanga aqui em Caxias do Sul mas nunca tinha me aprofundado seriamente para entender o budismo. Agradeço por teres feito isso em seu blog. Rogério

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    1. Disponha. Fico feliz pelo meu blog tê-lo agradado. Abração.

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  3. Agradeço muito o artigo e a transcrição do livro, assim pude ver o quanto é fraca e falsa essa doutrina, que copiou algumas mandamentos da verdadeira religião que é a Católica Apostólica Romana. Quero ver alguma doutrina semelhante. Como por exemplo amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo, e ainda dar a sua própria vida pela salvação da humanidade. Ao meu ver o budismo é uma versão Asiática do espiritismo. Grande abraço e rezo a Deus Jeus Cristo para que todos sejam convertidos e salvos por Ele. Feliz e Santo Natal do Senhor Jesus o Cristo Salvador, o ato dos atos.

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