quarta-feira, 8 de julho de 2015

O dízimo no AT e NT segundo Russel Champlin

Por Carlos Chagas

Estudo de Champlin. Fonte: CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia
. vol. 2. São Paulo: Hagnos, 2003.

III. O dízimo dos Hebreus antes da Lei

O Antigo Testamento ilustra o ponto em duas oportunidades. Antes de tudo, Abraão apresentou a décima parte dos despojos (que vide) do combate militar em que se envolveu, a Melquisedeque (Gn. 14:20; Heb. 7:2,6). Melquisedeque foi um rei-sacerdote, que simbolizava um sacerdócio superior ao de Arão, pois refletia o sumo sacerdócio do próprio Cristo. O artigo sobre Melquisedeque oferece-nos detalhes sobre Isso, bem como algumas especulações sobre a sua identidade. A narrativa do livro de Gênesis não explica por que Abraão julgou ser necessário dar dízimos a Melquisedeque. O relato pode dar a entender que os dízimos eram dados por várias razões, e em diferentes ocasiões. Podemos supor que essa era uma prática regular, mas não temos qualquer informação sobre isso, e nem sobre a forma que os dízimos podiam assumir. Em segundo lugar, há o caso de Jacó, o qual, após a visão que teve, em Luz, devotou uma décima parte de sua propriedade ao Senhor Deus, sob a condição de que fosse conduzido em paz e fosse trazido novamente à casa de seu pai. Seu irmão gêmeo, Esaú, além de outros, era seu inimigo; e Jacó carecia da proteção e da orientação divinas. O que Jacó fez, naquela oportunidade, foi tomar um voto e fazer uma promessa e a sua parte na barganha consistia em dar a Deus uma décima parte de tudo quanto possuísse.

IV. Elementos da Doutrina do Dízimo sob a Lei

Antes da lei, os dízimos já existiam, embora não parecesse fazerem parte regular do culto religioso. Em outras palavras, não havia preceito que requeresse o dízimo como um processo contínuo e específico. Porém, não se pode duvidar de que o dízimo era praticado pelos patriarcas, antes mesmo de sua instituição legal. Os dízimos passaram então a ser usados dentro do sistema de sacrifícios, como parte do culto prestado a Yahweh, para sustento dos sacerdotes levíticos; e, provavelmente, esses fundos também eram usados para ajudar os pobres, em suas necessidades. Há alusões a esse uso dos dízimos no tocante a deuses pagãos, como Júpiter, Hércules e outros (Her. Clio, sive 1,1, c.89; Varro apud Macrob. 1:3, c.12). Quem já não prometeu alguma coisa a Deus, se pudesse realizar isto ou aquilo? Conforme minha mãe costumava dizer: «Algumas vezes, isso funciona; mas, de outras vezes, não».

1. Coisas que eram dizimadas. Colheitas, frutas, animais do rebanho (Lv. 27:30-32). Não era permitido escolher animais inferiores. Ao passarem os animais para pastagem, de cada dez, um era separado como o dízimo (Lv 27:32 ss). Produtos agrícolas podiam ser retidos, se o equivalente em dinheiro fosse dado; mas, nesse caso, um quinto adicional tinha de ser oferecido. Contudo, não era permitido remir uma décima parte dos rebanhos de gado bovino e vacum, desse modo, uma vez que os animais tivessem sido dizimados (Lv. 27:31,33). Certa referência neotestamentária, em Mt. 23:23 e Lc. 11:42; de dízimos sobre a hortelã, o endro e o cominho, reflete um exagerado desenvolvimento da prática do dízimo, em tempos judaicos posteriores. Comentamos sobre isso, detalhadamente, no NTI, in loc. As passagens de Dt 12:5-19; 14:22-29 e 26:12-15 falam sobre algumas modificações quanto à lei sobre o dízimo. O trecho de Amós 4:4 mostra que o legalismo e os abusos contra o dízimo já haviam invadido a prática. A Mishna (Maaseroth 1:1) informa-nos de que tudo quanto era produzido e usado em Israel estava sujeito ao dízimo, e isso era exagerado ao ponto de incluir os mais ínfimos produtos.

2. Que dízimos eram dados e a quem. A legislação acima mencionada, dentro do livro de Deuteronômio dá orientações específicas sobre como e a quem os dízimos deveriam ser entregues. Originalmente, os dízimos eram dados aos levitas (Nm 18:21 ss), tendo em vista a manutenção dos ritos religiosos. Mais tarde, isso ficou mais complexo ainda. Os dízimos eram levados aos grandes centros religiosos. Quando convertidos em dinheiro, os dízimos eram postos em mãos apropriadas, para serem gerenciados (Lv 14:22-27). Ao fim de três anos, todos os dízimos que tivessem sido recolhidos eram levados ao lugar próprio de depósito, e seguia-se então uma grande celebração. Os estrangeiros, os órfãos, as viúvas (os membros mais carentes da sociedade) eram assim beneficiados, mediante essa prática, juntamente com os levitas (Lv 14:28,29). Cada israelita precisava desempenhar a sua parte nessa questão dos dízimos, a fim de ser cumprido o mandamento divino (Lv 26:12-14).

3. Sumário dos regulamentos, a. Uma décima parte dos dízimos recolhidos era usada no sustento dos levitas, b. Disso, uma décima parte era dada a Deus, para ser usada pelo sumo sacerdote, c. Aparentemente havia um segundo dízimo, usado para financiar as festas religiosas, de um terceiro dízimo, ao que parece, era destinado aos membros menos afortunados da sociedade, o que ocorria a cada três anos. Alguns intérpretes, porém, supõem que o segundo e o terceiro dízimos eram o mesmo dízimo ordinário, embora distribuído de modos diferentes. E, nesse caso, estava envolvido apenas um dízimo adicional, e isso somente de três em três anos. No entanto, nos escritos de Josefo temos informes de que, na verdade, havia três dízimos separados: um para a manutenção dos levitas; outro para a manutenção das festas religiosas; e, a cada três anos, para sustento dos pobres. Tobias 1:7,8 é trecho que dá a entender a mesma coisa. Entretanto, há uma referência nos escritos de Maimônides que diz que o segundo dízimo do terceiro e do sexto anos era distribuído entre os pobres e os levitas; e, em face desse comentário, retornamos à outra ideia que fala em apenas dois dízimos distintos, embora distribuídos de modos diferentes. Dízimos sobre os animais usados nos sacrifícios. Esses eram consagrados a Yahweh, pelo que tinham um lugar especial entre os dízimos, estando diretamente envolvidos no sistema de sacrifícios e ofertas.

4. Lugares para onde eram levados os dízimos. O principal desses lugares era Jerusalém (Dt 12:S ss-, 17 ss). Uma cerimônia era efetuada nessa ocasião (Dt 12:7,12), sob a forma de uma refeição. Se um homem não pudesse transportar a sua produção, ele podia substituí-la por dinheiro (Dt 14:22-27). A cada três anos, os dízimos podiam ser depositados no próprio local onde o homem habitasse (Deu. 14:28 ss). Mas, nesse caso, o indivíduo ainda precisava viajar até Jerusalém, a fim de adorar ali (Dt 26:12 ss).

V. O Dízimo no NOVO TESTAMENTO

Algumas pessoas conseguem fazer os dízimos parecerem obrigatórios, dentro da economia cristã, e encontram textos de prova, no Novo Testamento, para justificar essa prática. Mas outros não podem encontrar a ideia do dízimo obrigatório no período do Novo Testamento, julgando que essa prática é uma pequena exibição de legalismo, do que os crentes estão isentos. De certa feita, ouvi um sermão que tinha o propósito de impor a obrigatoriedade do dízimo aos crentes do Novo Testamento, por meio de trechos do Novo Testamento. O pregador usou a passagem de Lucas 11:42. Jesus repreendeu os fariseus porque tinham o cuidado de dizimar sobre pequenas questões legais, embora desconsiderassem as questões realmente importantes, como a justiça e o amor. Essas questões mais importantes, pois, eles deveriam pôr em prática, sem desconsiderar as coisas menos importantes. É evidente que Jesus reconhecia a natureza obrigatória dos dízimos, no caso da nação de Israel, mas está longe de ser claro que isso envolvia até mesmo a Igreja Cristã. Normalmente, os teólogos concordam que o Novo Testamento é um pacto de liberdade, e que cada crente deve dar a Deus conforme o Senhor o fizer prosperar, sem ser obrigado, contudo, a contribuir com somas específicas (1Co 16:1,2). Entretanto, esse texto não assevera diretamente como a Igreja cristã deve contribuir, porquanto envolve, especificamente, uma coleta especial, feita para ajudar os santos pobres de Jerusalém. Apesar disso, alguns estudiosos supõem que essa instrução paulina serve de principio geral quanto aos dízimos no seio do cristianismo. O fato, porém, é que o Novo Testamento não nos dá qualquer instrução direta sobre a questão dos dízimos, embora frise a questão da generosidade, uma parte da lei do amor, no tocante a todas as nossas ações e culto religioso. Muitos intérpretes pensam que o silêncio do Novo Testamento é proposital, dando isso a entender que o crente não está sob a lei, incluindo a regulamentação sobre os dízimos; antes, deveria ele ser guiado pela lei do Espírito. Ainda outros eruditos opinam que o silêncio das Escrituras, nesse caso, é circunstancial, pelo que não teria qualquer significado.

Nesse caso, poderíamos supor que a legislação veterotestamentária continua a vigorar nos dias do Novo Testamento. Isso, entretanto, é uma precária proposição teológica, se levarmos em conta tudo quanto Paulo disse sobre o fato de que não estamos debaixo da lei. A minha própria opinião é de que a questão deve ser resolvida com base no senso de responsabilidade de cada um e não com base em alguma legislação. Explico melhor essa ideia abaixo, na sexta seção.

VI. A lei da generosidade

Certa ocasião, vi-me envolvido em uma controvérsia sobre essa questão, em uma igreja batista. Certo domingo, em uma discussão que se originou durante a Escola Dominical, alguns membros defendiam o principio do dízimo, dentro do Novo Testamento. O dízimo era muito enfatizado naquela igreja e na denominação da qual ela fazia parte. Portanto, era de boa política falar em favor do dízimo, naquele lugar. Mas um homem corajoso, que era, de fato, o professor da classe dos adultos da Escola Dominical, fez objeção à posição. Ele não era capaz de encontrar o ensino sobre o dízimo no Novo Testamento e estava certo de que, como um princípio, o mesmo é antipaulino. Até certo ponto, pude ficar calado, deixando os argumentos serem apresentados contra e a favor. Mas, finalmente, fui especificamente solicitado a manifestar-me sobre a questão. Comecei minha explicação concordando com o professor da classe dos adultos. De fato, do ponto de vista teológico, não posso ver como poderíamos considerar o dízimo obrigatório para a Igreja cristã. Porém, continuei dizendo que havia ainda um outro fator que não podemos desconsiderar. Esse fator é a lei da generosidade, que é apenas um outro nome para a lei do amor. Se, sob a dispensação do Antigo Testamento, os privilégios religiosos exigiam a décima parte das rendas de uma pessoa, com vistas à manutenção da adoração e do sistema religioso, e também para benefício dos pobres, muito mais deveria ser nosso privilégio, em Cristo, afetarmos o bolso e a conta bancária. Minha posição, pois, é que o crente deve dar mais do que o dízimo. Em meu caso, sempre contribui com mais do que a décima parte do que ganho, para os projetos espirituais. De fato, algumas vezes tenho ficado com uma décima parte, e nove décimas partes são dedicadas ao trabalho do Senhor. Disse isso sem o intuito de chamar atenção para a minha pessoa, mas isso tem sido fato. Meu irmão, que foi missionário evangélico primeiramente no Zaire (quando esse país ainda era chamado Congo), e, mais tarde (até o momento), no Suriname,na América do Sul, disse-me que ele dava acima de três quartas partes de toda a sua renda ao trabalho religioso, incluindo salários para os professores e as enfermeiras, para nada dizer acerca do dinheiro necessário para a construção de templos. O amor é mais exigente do que a lei. Isso é perfeitamente óbvio e vivemos de acordo com a lei do amor, que cumpre toda a legislação do Antigo Testamento, sem importar qual o particular de conduta atingido (ver Rm 13:8 ss). Atualmente, vemos o espetáculo de missionários evangélicos que constroem para si mesmos grandes mansões, lares luxuosos, etc. Quando isso sucede, sabemos que o dinheiro está sendo empregado egoisticamente, e não para o serviço do Senhor. Há uma grande diferença entre o altruísmo e o egoísmo; mas alguns missionários evangélicos parecem nunca ter aprendido a diferença. Direi agora o que penso sobre tudo isso. O próprio fato de que há crentes disputando sobre se devem contribuir ou não com uma miserável parcela de dez por cento mostra o baixo nível de espiritualidade em que se encontram. Quanto maior for a espiritualidade de um crente, maior será a sua liberalidade para com o dinheiro com que contribui para a causa do evangelho, ou com que alivia as necessidades das pessoas ao seu redor. Se gastarmos alguns minutos lendo os capítulos oitavo e nono de 2 Coríntios, veremos ali a promoção do principio cristão da generosidade. Isso é encorajado mediante a certeza de que Deus vê quem dá com generosidade, mostrando-se ainda mais generoso para com aqueles que agem dessa maneira. O resultado será que os crentes que assim fazem de nada terão necessidade, pois o banco celestial tem imensas fortunas ali entesouradas. Esses fundos são postos à disposição dos generosos, e não à disposição dos que só dão com parcimônia. Se alguém semear com parcimônia, colherá parcimoniosamente; e se alguém semear com abundância, colherá abundantemente (ver 2 Cor. 9:6). Deus ama o homem que dá com generosidade (2 Cor. 9:7). A razão pela qual prosperamos é que, dessa maneira, poderemos superabundar «em toda boa obra» (2 Cor. 9:8). Nunca vi falhar essa lei da colheita segundo a semeadura e espero vê-la operando mais algumas vezes, de uma maneira significativa, antes de terminar minha missão. Se o leitor, que estiver lendo esta declaração, nesta versão impressa da presente enciclopédia, considerar corretamente a questão, poderá perceber que essa lei operou, uma vez mais, no meu caso. (BE ND UN)


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não esqueça de comentar esta postagem. Sua opinião é muito importante!