terça-feira, 28 de junho de 2011

A importância de se conhecer as religiões e o campo religioso - Parte 1/4

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern. Os méritos são dos autores.

O que é religião? É o batismo numa igreja cristã. É a adoração num templo budista. São os judeus com o rolo da Torá diante do Muro das Lamentações em Jerusalém. São os peregrinos reunindo-se diante da Caaba em Meca. 

Em seguida podemos perguntar: será que essas atividades têm alguma coisa em comum? Será que seus participantes compartilham algum sentimento semelhante a respeito do que fazem? E por que fazem o que fazem? O que isso significa para eles? E como afeta a sociedade em que vivem?

São essas as questões que as ciências da religião procuram responder. O pesquisador investiga de uma perspectiva externa todas as religiões, buscando semelhanças e diferenças, e tenta descrever o que vê. A descrição dele nem sempre é plena e exaustiva, se comparada aos sentimentos de um crente acerca de sua religião. É como o que acontece com a música. Um especialista em teoria musical pode explicar de que maneira uma composição foi construída, e descrever suas tonalidades e seus instrumentos, mas jamais conseguirá recriar a experiência que a música transmite. Isso é ainda mais óbvio quando se trata de comida. Um nutricionista pode explicar que certo alimento consiste numa dada mistura de componentes orgânicos, e que, se for resfriado a uma determinada temperatura, terá um gosto doce e fresco ao entrar em contato com o palato humano; mas isso nunca será a mesma coisa que tomar de fato um sorvete.

Isso não quer dizer que o estudioso das religiões não possa ser religioso. O escritor italiano Umberto Eco, falando das relações entre os estudos de literatura comparada e a própria literatura, fez a seguinte observação: “Até os ginecologistas podem se apaixonar”. O importante é não deixar que durante a pesquisa as crenças e os sentimentos pessoais influenciem o material que está sendo estudado. Esse distanciamento permite ao pesquisador divulgar informações sobre a religião que são valiosas tanto para o indivíduo como para a sociedade. 

POR QUE LER SOBRE AS RELIGIÕES?

 
Um rápido olhar para o mundo ao redor mostra que a religião desempenha um papel bastante significativo na vida social e política de todas as partes do globo. Ouvimos falar de católicos e protestantes em conflito na Irlanda do Norte, cristãos contra muçulmanos nos Bálcãs, atrito entre muçulmanos e hinduístas na Índia, guerra entre hinduístas e budistas no Sri Lanka. Nos Estados Unidos e no Japão há seitas religiosas extremistas que já praticaram atos de terrorismo. Ao mesmo tempo, representantes de diversas religiões promovem ajuda humanitária aos pobres e destituídos do Terceiro Mundo. É difícil adquirir uma compreensão adequada da política internacional sem que se esteja consciente do fator religião.

Um conhecimento religioso sólido também é útil num mundo que se torna cada vez mais multicultural. Muitos de nós viajam para o exterior, entrando em contato com sociedades que têm diferentes valores e modos de vida, ao mesmo tempo que imigrantes e refugiados chegam a nossa própria porta, confrontando-se com um sistema social que lhes é totalmente estranho. 

Além disso, o estudo das religiões pode ser importante para o desenvolvimento pessoal do indivíduo. As religiões do mundo podem responder a perguntas que o homem vem fazendo desde tempos imemoriais. 

TOLERÂNCIA

Tolerância,
ou seja, respeito pelas pessoas que têm pontos de vista diferentes do nosso, é uma palavra-chave no estudo das religiões. Não significa necessariamente o desaparecimento das diferenças e das contradições, ou que não importa no que você acredita, se é que acredita em alguma coisa. Uma atitude tolerante pode perfeitamente coexistir com uma sólida fé e com a tentativa de converter os outros. Porém, a tolerância não é compatível com atitudes como zombar das opiniões alheias ou se utilizar da força e de ameaças. A tolerância não limita o direito de fazer propaganda, mas exige que esta seja feita com respeito pela opinião dos outros. 

Os registros da história mostram inúmeros exemplos de fanatismo e intolerância. Já houve lutas de uma religião contra outra e se travaram diversas guerras em nome da religião. Muitas pessoas já foram perseguidas por causa de suas convicções, e isso continua acontecendo nos dias de hoje.

Com freqüência, a intolerância é resultado do conhecimento insuficiente de um assunto. Quem vê de fora uma religião, enxerga apenas suas manifestações, e não o que elas significam para o indivíduo que a professa. 

Para os cristãos, a sagrada comunhão tem um significado especial. No entanto, uma descrição objetiva do ato da comunhão não poderia oferecer uma visão real do que a comunhão representa para um cristão.

O respeito pela vida religiosa dos outros, por suas opiniões e seus pontos de vista, é um pré-requisito para a coexistência humana. Isto não significa que devemos aceitar tudo como igualmente correto, mas que cada um tem o direito de ser respeitado em seus pontos de vista, desde que estes não violem os direitos humanos básicos.

COMO COMEÇARAM AS RELIGIÕES? 
 
Foram registradas várias formas de religião durante toda a história. Já houve muitas tentativas de explicar como surgiram as religiões. Uma das explicações é que o homem logo começou a ver as coisas a seu redor como animadas. Ele acreditava que os animais, as plantas, os rios, as montanhas, o sol, a lua e as estrelas continham espíritos, os quais era fundamental apaziguar. O antropólogo E. B. Tylor (1832-1917) batizou essa crença de animismo. Tylor foi influenciado pela teoria de Darwin sobre a evolução. Segundo ele, o desenvolvimento religioso caminhou paralelamente ao avanço geral da humanidade, tanto cultural como tecnológico, primeiro em direção ao politeísmo (crença em diversos deuses) e depois ao monoteísmo (crença num só deus). Tylor concluiu que os povos tribais não haviam ido além do estágio da Idade da Pedra e, portanto, praticavam esse mesmo tipo de animismo. Hoje essa teoria do desenvolvimento foi rejeitada, e há um consenso geral de que animismo não é uma caracterização adequada para a religião dos povos tribais.
 
Alguns pesquisadores vêem a religião como um produto de fatores sociais e psicológicos. Essa explicação é conhecida como um modelo reducionista, pois reduz a religião a apenas um elemento das condições sociais ou da vida espiritual do homem. Karl Marx, por exemplo, sustentava que a religião, assim como a arte, a filosofia, as idéias e a moral, não passava de um dossel por cima da base, que é econômica. O que dirige a história, de acordo com ele, é o modo como a produção se organiza e quem possui os meios de produção, as fábricas e as máquinas. A religião simplesmente refletiria essas condições básicas. 

Nas modernas ciências da religião predomina a idéia de que a religião é um elemento independente, ligado ao elemento social e ao elemento psicológico, mas que tem sua própria estrutura. Os ramos mais importantes das ciências da religião são a sociologia da religião, a psicologia da religião, a filosofia da religião e a fenomenologia religiosa. 

DEFININDO A RELIGIÃO

Muitas pessoas já tentaram definir religião, buscando uma fórmula que se adequasse a todos os tipos de crenças e atividades religiosas -
uma espécie de mínimo denominador comum. Existe, naturalmente, até um risco nessa tentativa, já que ela parte do princípio de que as religiões podem ser comparadas. Esse é um ponto em que nem todos os crentes concordam: eles podem dizer, por exemplo, que sua fé se distingue de todas as outras por ser a única religião verdadeira, ao passo que todas as outras não passam de ilusão, ou, na melhor das hipóteses, são incompletas. Há também pesquisadores cuja opinião é que o único método construtivo de estudar as religiões é considerar cada uma em seu próprio contexto histórico e cultural. Contudo, há mais de um século os estudiosos da religião tentam encontrar traços comuns entre as religiões. O problema é que eles interpretam as semelhanças de maneiras diferentes. Alguns as consideram resultado do contato e do intercâmbio entre grupos raciais; segundo eles, as diferentes fés e idéias se espalharam do mesmo modo que outros fenômenos culturais, como a roda e o arado. Outros pesquisadores fazem comparações a fim de descobrir o que caracteriza o conceito de religião em si. É aí que as definições entram em cena. Vamos começar por algumas das mais famosas:

A religião é um sentimento ou uma sensação de absoluta dependência.
Friedrich Schleiermacher (1768-1834) 

Religião significa a relação entre o homem e o poder sobre-humano no qual ele acredita ou do qual se sente dependente. Essa relação se expressa em emoções especiais (confiança, medo), conceitos (crença) e ações (culto e ética).
C. P. Tiele (1830-1902) 

A religião é a convicção de que existem poderes transcendentes, pessoais ou impessoais, que atuam no mundo, e se expressa por insight, pensamento, sentimento, intenção e ação.
Helmuth von Glasenapp (1891-1963) 


REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 13-17.

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