quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Islã: Seu significado, doutrina, vida religiosa e teologia - PARTE 2/3

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pelas figuras. Os méritos são dos autores.

Esta é uma continuação da 1ª Parte (para lê-la clique aqui)

O credo

O credo do islã está resumido nesta curta declaração de fé: "Não há Deus senão Alá, e Maomé é seu Profeta".

Esses dois pontos constituem o núcleo da doutrina islâmica: o monoteísmo e a revelação por intermédio de Maomé.

Monoteísmo

Sobre o nome do Deus muçulmano, Alá, é importante observar que não se trata de um nome pessoal, e sim da palavra árabe que significa "Deus". Os judeus e os árabes cristãos já a haviam empregado antes de Maomé. Ela também designava um deus que habitava o céu e que era adorado na antiga Arábia.

A palavra árabe Alá se relaciona etimologicamente com a palavra hebraica El, que é usada na Bíblia para nomear o Deus dos hebreus.

Maomé atacou com veemência o politeísmo dos árabes. Ele ressaltou, assim como fizeram os judeus e os cristãos, a crença num só Deus, que é criador e juiz. Esse Deus criou o mundo e tudo o que nele há, e no último dia irá trazer todos os mortos de volta à vida para julgá-los.

O islã não proíbe que se desfrute a vida na terra, mas lembra que se deve ter sempre em mente o fato de que esta não passa de uma preparação para a vida que começará depois do julgamento divino. Essa outra vida — seja no céu ou no inferno — é descrita em detalhes no Corão, mas há discordâncias quanto a sua interpretação, que pode ser literal ou metafórica.

A crença num julgamento final após a morte — tão significativa nas pregações de Maomé — é necessária, segundo muitos muçulmanos, para que o homem assuma a responsabilidade sobre seus atos. A idéia de um julgamento cria um senso moral de dever que é relevante para a comunidade.

No entanto, Deus não é apenas um juiz onipotente; além disso, é repleto de amor e compaixão. Todas as suras do Corão começam com as palavras: "Em nome de Alá, o Misericordioso, o Compassivo". Embora Deus seja aquele a quem todos devem se submeter, também é o que perdoa e auxilia o homem. 

Uma expressão islâmica corrente, que é sempre repetida no chamado às preces, é "Alá hu Akbar": "Deus é o maior", ou "Deus é maior". Entre outras coisas, isso significa que Deus é maior do que qualquer coisa que possamos compreender. Ele não pode ser comparado com as pretensões humanas. Não pode ser assemelhado a nada, e não há ninguém que seja seu igual.

O homem não merece nada de Deus, não pode invocar direitos sobre nada. A salvação e a fé brotam somente da graça de Deus, e são coisas que os seres humanos podem apenas ter esperança de conseguir.

O fato de que Deus é maior também implica que ele ultrapassa todas as concepções dos mortais. Este é o argumento utilizado pelos muçulmanos para explicar aparentes contradições no Corão.

Revelação

Deus falou ao homem por intermédio de seu profeta Maomé, o último de uma linha de profetas que ele enviou à humanidade: Adão, Abraão, Moisés, Davi e Jesus. Originalmente, Maomé se considerava parte da comunidade judaico-cristã. Aos poucos ele se distanciou tanto dos judeus como dos cristãos. Logo de início os judeus apontaram que Maomé cometera erros em sua reinterpretação das narrativas do Antigo Testamento. Maomé não aceitou a acusação: as revelações que recebia eram a Palavra de Deus; assim, os judeus é que deviam ter distorcido o significado de suas escrituras sagradas.

A fim de criar um fundamento histórico para sua nova religião, Maomé se reportou a Abraão e seu filho Ismael, antepassado dos árabes. Ensinou que Abraão e Ismael tinham reconstruído a sagrada Caaba, que fora erigida por Adão mas destruída pelo dilúvio na época de Noé. Segundo Maomé, os judeus, os cristãos e os politeístas haviam corrompido o monoteísmo original de Abraão.

Quando chegou a Medina — onde havia uma grande população judaica —, Maomé ensinou que se deve orar com o rosto voltado na direção de Jerusalém. Depois do rompimento com os judeus, ficou decidido que o fiel deve se virar de frente para Meca. E a sexta-feira foi designada como o dia festivo da semana em vez do sábado, que é o Shabat judaico.

O ataque mais severo de Maomé contra o cristianismo se dirigiu à Trindade, que, segundo ele, é uma quebra do monoteísmo puro.

O Corão islâmico é, literalmente, a Palavra de Deus. Pode-se ilustrar melhor essa idéia fazendo uma comparação com o cristianismo.

O cristianismo ensina: "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós" (João 1,14). Jesus é a revelação. No islamismo, Maomé é apenas um intermediário, pois a verdadeira revelação ocorre no próprio Corão. No cristianismo a Palavra de Deus se tornou uma pessoa; no islamismo, um livro. Portanto, não é correto comparar Jesus com Maomé e a Bíblia com o Corão. Seria mais apropriado dizer que existe um paralelo entre Jesus e o Corão.

Outra diferença importante entre a Bíblia e o Corão é que a Bíblia é um texto histórico, ao passo que o Corão é "incriado" e existe para sempre.

Obrigações religiosas — os cinco pilares

As obrigações religiosas dos muçulmanos são consideradas "os cinco pilares":

  • o credo;
  • a oração;
  • a caridade;
  • o jejum, e
  • a peregrinação a Meca.

1. Credo

"Não há outro Deus senão Alá, e Maomé é seu Profeta." 
Esse credo é repetido pelos fiéis várias vezes todos os dias e proclamado do alto dos minaretes nas horas de oração. Esse ato de fé se encontra nas paredes das mesquitas. E a primeira coisa que se deve sussurrar ao ouvido da criança recém-nascida e a última a se murmurar no ouvido dos moribundos. O ato de fé é o ponto-chave da religião islâmica. 

2. Oração

O islã requer que o fiel diga suas preces cinco vezes por dia. Antes de cada um dos cinco horários fixos para a oração, ouve-se o chamado à reza vindo dos minaretes, que são as torres das mesquitas. Antigamente um homem denominado muezim fazia o chamado; hoje, porém, em geral é uma fita gravada que repete as conhecidas palavras:

Alá é Grande,
não há outro Deus senão Alá
e Maomé é seu profeta.
Vinde para a oração, vinde para a salvação,
Alá é Grande,
não há outro Deus senão Alá.

Antes da oração o fiel deve estar ritualmente limpo. Os muçulmanos crêem que as pessoas se tornam impuras em razão de suas funções corporais — inclusive atos sexuais — e, portanto, devem passar por uma purificação. Isso significa lavar o corpo inteiro em água corrente. Em outras ocasiões, basta lavar as mãos e o rosto. Não é raro que haja banhos especiais próximos às mesquitas. Tais regras levaram a um alto padrão de higiene nos países árabes, já desde os tempos antigos (veja as suras 4:46 e 5:8-9).

A maioria das orações islâmicas são fórmulas fixas, um ritual que exige palavras e gestos bem definidos. Embora exista também a oração espontânea, na qual o fiel pode se dirigir a Deus para falar de algo pessoal, a oração ritual deve ser dita em primeiro lugar. Ela consiste sobretudo em louvores a Deus. Uma oração constantemente repetida é a sura 1 — o Exórdio:

Louvado seja Deus, Senhor do Universo,
O Caridoso, o Compassivo,
Soberano do Dia do Juízo!
Só a Ti adoramos, e só a Ti recorremos em busca de ajuda.
Guia-nos pelo caminho direito,
O caminho daqueles a quem Tu favoreceste,
Não daqueles que incorreram na Tua ira,
Não daqueles que se desviaram.

As cinco orações diárias podem ser ditas em qualquer lugar. A maioria das pessoas possui um tapetinho ou uma esteira especial onde se ajoelham e rezam, e seus gestos são sempre dirigidos para Meca. Os gestos têm tanto valor quanto as palavras; eles enfatizam a submissão do homem — a palavra islã significa isso, "submissão" — e mostram que o corpo e a alma são igualmente  importantes.

Sempre que possível, o fiel deve participar das orações da congregação pelo menos uma vez por semana, de preferência numa mesquita. Isso é especialmente relevante nas orações de sexta-feira ao meio-dia, quando o serviço inclui um sermão. "Fiéis, quando fordes chamados para as orações de sexta-feira, apressai-vos a vos lembrar de Deus e cessai vosso comércio" (62:9).

Os que comparecem à mesquita devem estar respeitosamente vestidos, tirar os sapatos antes de entrar e acompanhar os movimentos de quem preside as orações de maneira ordenada e disciplinada. O líder das orações também fica de frente para Meca, isto é, de costas para a congregação.

Normalmente são só os homens que oram no salão principal da mesquita. As mulheres ficam numa galeria, ou escondidas atrás de uma cortina bem no fundo. 

Qualquer homem adulto muçulmano pode ser um dirigente das preces, um imã. Não há sacerdócio organizado no islã. Entretanto, em geral o dirigente das orações e responsável pelos sermões tem uma boa educação teológica e é funcionário da mesquita.

3. Caridade

A caridade é, na verdade, uma taxa ou um imposto formal sobre a riqueza e a propriedade. Está fixada em 1/40, ou seja, 2,5%, mas as pessoas são incentivadas a dar mais. De acordo com Maomé, essa taxa deve ser tirada dos ricos e dada aos pobres. "Devem-se dar esmolas apenas aos pobres e destituídos; àqueles que se empenham na administração das esmolas e àqueles cujos corações são simpáticos à Fé; para a libertação dos escravos e dos devedores; para o avanço da causa de Deus; e para o viajante em necessidade."

"Caridade" não é uma tradução plena da palavra árabe, pois ela é mais do que um presente. É um dever para o muçulmano, um dever dado por Deus, como diz o Corão.

Quando essa taxa é recolhida e destinada a usos sociais, ela se torna parte da política oficial de redistribuição de um Estado islâmico. O objetivo é diminuir as desigualdades entre ricos e pobres, sem interferir no princípio da propriedade privada.

O dever de dar esmolas também influenciou o desenvolvimento do socialismo islâmico em alguns países.

4. Jejum

O Corão proíbe os muçulmanos de comer porco, por ser um animal impuro. Proíbe também o álcool. Afora isso, o islã não prega o ascetismo de qualquer espécie. Ao contrário, o Corão diz: "Deus deseja o vosso bem-estar, não o vosso desconforto". A grande exceção é o jejum durante o Ramadan, o nono mês do ano lunar. Entre o nascer do sol e o pôr-do-sol é proibido comer, beber, fumar ou ter relações sexuais. Os viajantes, os doentes, as crianças e as mulheres grávidas ou que estão amamentando são exortados a cumprir o jejum numa data posterior.

À noite essas proibições são suspensas; assim, em diversos lugares a vida noturna é animada e há boa comida e bebida, enquanto muitos fiéis se reúnem nas mesquitas para passar a noite ouvindo o Corão. Ramadan, o mês de jejum, foi o mês em que Maomé teve sua primeira revelação. O jejum simboliza o retiro que cada muçulmano deveria fazer, como fez Maomé.

5. Peregrinação à Meca

Todo muçulmano adulto que dispõe de meios para realizar uma peregrinação a Meca, deve fazê-lo pelo menos uma vez na vida. Ali se encontra o santuário sagrado mais antigo do islã, a Caaba. Trata-se
de um edifício quadrado coberto por um pano negro. Num canto da Caaba fica uma pedra negra incrustada na parede; essa pedra tem um enorme significado simbólico.

Para os muçulmanos, Meca e a Caaba são o centro do mundo. Não só os fiéis se voltam para Meca quando oram; também as mesquitas são construídas com o eixo mais longo apontando para lá. Os mortos são enterrados voltados para Meca, e a cidade é o destino das peregrinações.

Meca é visitada todos os anos por cerca de 1,5 milhão de peregrinos, metade dos quais vem de fora da Arábia. O número de peregrinos aumentou de maneira extraordinária depois que se organizaram os vôos charter para lá. A grande mesquita de Meca foi completamente reconstruída e hoje pode abrigar 600 mil pessoas. Só os que podem provar que são muçulmanos recebem visto para entrar
na cidade santa.

Quando os peregrinos se aproximam de Meca, passam a usar vestes brancas. Nos dias que se seguem eles irão realizar uma série de ritos, dentro e fora da cidade. A maioria desses rituais enfatiza sua
ligação com Abraão ou Maomé, pois ambos mostraram obediência a Deus. O primeiro rito consiste em caminhar em torno da Caaba sete vezes, e muitos tentam beijar a pedra negra. Diz a tradição que essa
construção foi erigida por Abraão e Ismael, filho de Abraão com sua escrava Agar.

Outro momento importante é quando os peregrinos se postam no monte Arafat, desde o meio-dia até o pôr-do-sol, sem permissão para proteger a cabeça do calor intenso. Foi no monte Arafat que Adão e Eva se encontraram de novo, depois que foram expulsos do jardim do Éden. Os peregrinos passam várias horas ali juntos, afirmando assim seu pacto com Deus e sua crença de que não há outro Deus.

O clímax vem com o festival dos sacrifícios. Os peregrinos matam um animal (um carneiro, bode, camelo, boi etc). Esse sacrifício serve para lembrar aos muçulmanos que Abraão foi tão obediente a Deus que se dispôs a sacrificar seu próprio filho (embora no islã o filho seja chamado de Ismael, e não de Isaac como nos Livros de Moisés). Deus, porém, foi misericordioso e lhe enviou um animal para que ele o sacrificasse em lugar do filho. Aqui se revela claramente o cerne religioso da peregrinação: a obediência à vontade de Deus.


REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 123-130.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não esqueça de comentar esta postagem. Sua opinião é muito importante!