segunda-feira, 12 de julho de 2010

A origem do mal: Breves palavras de Agostinho de Hipona

Por Carlos Chagas

Nunca abra mão dos textos clássicos. Santo Agostinho, ou Agostinho de Hipona foi um monge da idade primitiva para a era medieval responsável por grande parte dos pensamentos cristãos que vigoram até aos dias de hoje. Este monge é considerado até hoje um dos mais ousados escritores sobre o tema "origem do mal". E por isso não se pode deixar passar "batido" suas palavras que, por isso, seguem adiante:

A origem do Mal - Santo Agostinho

Eu buscava a origem do mal, mas de modo errôneo, e não via o erro que havia em meu modo de buscá-la. Desfilava diante dos olhos de minha alma toda a criação, tanto o que podemos ver — como a terra, o mar, o ar, as estrelas, as árvores e os animais — como o que não podemos ver — como o firmamento, e todos os anjos e seres espirituais. Estes porém, como se também fossem corpóreos, colocados pela minha imaginação em seus respectivos lugares. Fiz de tua criação uma espécie de massa imensa, diferenciada em diversos gêneros de corpos: uns, corpos verdadeiros, e espíritos, que eu imaginava como corpos.

E eu a imaginava não tão imensa quanto ela era realmente — o que seria impossível — mas quanto me agradava, embora limitada por todos os lados. E a ti, Senhor, como a um ser que a rodeava e penetrava por todas as partes, infinito em todas as direções, como se fosses um mar incomensurável, que tivesse dentro de si uma esponja tão grande quanto possível, limitada, e toda embebida, em todas as suas partes, desse imenso mar.

Assim é que eu concebia a tua criação finita, cheia de ti, infinito, e dizia: “Eis aqui Deus, e eis aqui as coisas que Deus criou; Deus é bom, imenso e infinitamente mais excelente que suas criaturas; e, como é bom, fez boas todas as coisas; e vede como as abraça e penetra! Onde está pois o mal? De onde e por onde conseguiu penetrar no mundo? Qual é a sua raiz e sua semente? Será que não existe? E porque recear e evitarmos o que não existe? E se tememos em vão, o próprio temor já é certamente um mal que atormenta e espicaça sem motivo nosso coração; e tanto mais grave quanto é certo que não há razão para temer. Portanto, ou o mal que tememos existe, ou o próprio temor é o mal. De onde, pois, procede o mal se Deus, que é bom, fez boas todas as coisas? Bem superior a todos os bens, o Bem supremo, criou sem dúvida bens menores do que ele. De onde pois vem o mal? Acaso a matéria de que se serviu para a criação era corrompida e, ao dar-lhe forma e organização, deixou nela algo que não converteu em bem?

E por que isto? Acaso, sendo onipotente, não podia mudá-la, transformá-la toda, para que não restasse nela semente do mal? Enfim, por que se utilizou dessa matéria para criar? Por que sua onipotência não a aniquilou totalmente? Poderia ela existir contra sua vontade? E, se é eterna, porque deixou-a existir por tanto tempo no infinito do passado, resolvendo tão tarde servir-se dela para fazer alguma coisa? Ou, já que quis fazer de súbito alguma coisa, sendo onipotente, não poderia suprimir a matéria, ficando ele só, bem total verdadeiro, sumo e infinito? E, se não era conveniente que, sendo bom, não criasse nem produzisse bem algum, por que não destruiu e aniquilou essa matéria má, criando outra que fosse boa, e com a qual plasmar toda a criação? Porque ele não seria onipotente se não pudesse criar algum bem sem a ajuda dessa matéria que não havia criado.

Tais eram os pensamentos de meu pobre coração, oprimido pelos pungentes temores da morte, e sem ter encontrado a verdade. Contudo, arraigava sempre mais em meu coração a fé de teu Cristo, nosso Senhor e Salvador, professada pela Igreja Católica; fé ainda incerta, certamente, em muitos pontos, e como que flutuando fora das normas da doutrina. Minha alma porém não a abandonava, e cada dia mais se abraçava a ela.

Ao se estudar os pensamentos de Agostinho sobre a origem do mal perceber-se-á que, para ele, o mal não foi criado, pois se assim o fosse cair-se-ía no sofisma de Epicuro sobre o mal (para ler o sofisma de Epicuro clique aqui), partindo então para uma doutrina errônea. Sendo assim, para Agostinho, o mal é uma prática, entregue por Deus a todos que possuem liberdade. Ora, para ser livre deve-se ter a chance de escolher entre o certo e o errado, logo, deve-se ter a chance de errar e de acertar. Portanto, para ele, o mal está no mesmo caminho que o bem, pois os dois se co-fundem; no sentido de um explicar e conceituar o outro.

É diante deste pensamento que Agostinho permeia seu escrito Confissões à luz de tal pensamento, deixando claro que o homem é necessitado de alguém que o guie; de alguém que domine tanto o bem quanto o mal, uma vez que o homem não domina, mas é dominado pelo mal, deixando-o então, carente de salvação.

Referência:

SANTO AGOSTINHO de Hipona. Confissões. Editora Martin Claret, páginas 145-147.

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