Por Carlos Chagas
O trabalho buscou apresentar como o termo “religião” se transformou durante a história e como essas transformações provocaram mudanças na compreensão soteriológica das religiões em geral, e no cristianismo em específico. Para isso tracei em três capítulos a seguinte meta: 1º) apresentar o termo religião e suas adaptações religiosas; 2º) apresentar o termo religião abordado mais especificamente pelo cristianismo durante a história deste mostrando a evolução do desenvolvimento soteriológico juntamente com a compreensão do termo; e 3º) mostrar como que a religião, de forma geral, possui dimensões divina e humana, fornecendo assim contribuições para o diálogo inter-religioso.
Após perceber que todas as palavras, quando usadas por muito tempo, perdem ou adquirem novos significados, me questionei pelo termo “religião”, pelas suas possíveis mudanças de significado e, com isso, possíveis implicações na compreensão sobre o que seja religião hoje em comparação com antigamente. Portanto, minha pesquisa se iniciou no estudo do termo “religião”. Neste início foi percebido que o termo “religião” obteve mudanças significativas em sua compreensão. Algumas mudanças foram:
- De caráter qualitativo para substantivado: O termo religião, no início da era cristã, se preocupava em mostrar a qualidade daquele que busca o outro, o além de si, o transcendente. Após este termo ser apropriado pelo cristianismo primitivo e pelas demais religiões da época, o termo passou a ter um caráter mais substantivado, onde “religião” deixa de ser qualidade e passa a ser modelo, institucionalização daquilo no qual se crê e se espera;
- Mais conceitual: Passou a ser usado em ritos e observâncias, em designação de cargos eclesiásticos, e mais preocupado com distinções e conceituações. Com os conceitos vieram comparações entre as religiões buscando então diferenciações sobre o que é certo e o que é errado a partir dessas comparações. Nasce com isso o plural “religiões”, algo inexistente para o termo antes;
- Na relação com outros termos: Termos que existiam antes mesmo da apropriação do termo “religião” pelo cristianismo, após essa inter-relação entre os mesmos, passam a ter significados modificados, como o caso do termo cristão (p.12);
- Aglutinações com desenvolvimento progressivo: Como foi o caso do termo cristão associado com o termo religião que vieram formar um conjunto de regras pré-definidas (religião cristã) e depois de distinção das demais (a religião cristã). Assim o termo “cristão” passa a ter mais conotações do que simplesmente ter fé em Cristo;
- Na compreensão soteriológica cristã: Com a supervalorização do termo “a religião cristã” a fé dos cristãos em Deus dá lugar a uma maior aceitação à fé no cristianismo. Este último nome começa a ganhar mais peso e maior valor. Assim sendo, a compreensão soteriológica no cristianismo descarta de vez o valor das idéias sobre Deus nas demais religiões;
- No objetivo primevo do termo “religião” quando inserido no cristianismo: o fim da religião no sentido clássico de seu propósito e objetivo é Deus. Contudo as mudanças deram ao termo a idéia de adequação a regras e ofícios.
No terceiro capítulo eu me preocupei em mostrar bem resumidamente como foi o desenvolvimento soteriológico do cristianismo até em tempos recentes na ótica do termo “religião”. A minha preocupação foi de mostrar em determinados espaços de tempo as mudanças do termo e de compreensão do mesmo. Portanto destaquei as mudanças pelas eras históricas conhecidas como antiga, medieval e moderna (aqui a moderna engloba a contemporânea) buscando perceber as sutis mudanças ocorridas na soteriologia cristã quando se pensa e aborda o termo “religião”.
No período antigo foi destacado como se dava a salvação humana diante dos discursos dos pensadores cristãos da época. Neste período a salvação era ligada tão somente à fé em Cristo, com leve tendência às penitências. Contudo a salvação não era aceita como sendo uma ação estritamente eclesial, o que foi marca da era medieval. Sendo assim, busquei mostrar que no período medieval a soteriologia deu um salto na sua compreensão. Começa-se a perceber o que foi apontado no primeiro capítulo: hierarquia eclesiástica, exclusivismo da salvação (o que não foi marca do cristianismo emergente) e grande racionalização da salvação colocando de lado o subjetivismo (que mostrou sua reação com o povo e suas superstições).
A era medieval se mostrou rica em desenvolvimento teológico. Assim como se desenvolveu a teologia a “religião cristã” passou por transformações diante desse desenvolvimento. Para demonstrar isso eu citei o surgimento das penitências, onde a soteriologia começa a se mostrar como algo que se dá no interior da igreja. Mudanças sutis, contudo importantes para perceber mais adiante o discurso da salvação restrita ao cristianismo apenas.
Já no período moderno percebe-se uma grande virada no desenvolvimento cristão. Com o surgimento do protestantismo o cristianismo se vê subdividido em sua compreensão soteriológica. Tal subdivisão já existia no cristianismo antigo (com os pensamentos sobre o sinergismo e monergismo, por exemplo), mas foi no moderno, após a não aceitação de certas imposições hierárquicas, que tais pensamentos foram levados às últimas conseqüências. A soteriologia se vê num impasse. Esta se desenvolveu em suas ramificações deixando o cristianismo a partir de então com compreensões distintas sobre como se dá a salvação.
É diante dessas transformações históricas que o trabalho buscou mostrar que o desenvolvimento soteriológico cristão (bem como das demais religiões) não conseguiu dar uma resposta final sobre como se dá a salvação do ser humano. O que se viu foram respostas muito bem elaboradas para sua época que geralmente passam por novas elaborações uma vez que a tentativa de conceituação já não surte mais efeito como antes. O progresso histórico é inevitável e com isso o desenvolvimento dos conceitos também não pode ser estático.
Após esta percepção meu último capítulo serviu para trabalhar esta realidade. Busquei apresentar que religião é a interação entre o ser humano e Deus. Interação do ser humano pelo fato de que este está em constante contato com Deus, seja um cristão ou não. Neste constante contato o ser humano busca expressar sua experiência religiosa de alguma maneira. Logo o papel da religião é apresentar de forma organizada estas expressões. A interação de Deus no processo de formação da religião está no simples fato de se deixar conhecer ao ser humano. Religião nenhuma existiria se não houvesse este contato entre ambos.
Percebendo então que toda religião tem autonomia para falar de Deus coube a mim apresentar, enquanto cristão, uma forma de diálogo entre as mesmas não perdendo a identidade religiosa e nem desprezando-a. Uma vez que toda religião possui algo a falar sobre Deus, e que este é o objetivo último das religiões, e que a tendência é de cada religião (instituição) desviar-se cada vez mais uma das outras, aprovei a necessidade do diálogo entre as mesmas não negando sua base de fé, que é crucial para a sua identidade. Logo, nenhuma religião sabe tudo sobre Deus, apesar de todas terem os objetivos próximos (pensamento de Pannenberg).
Foi diante da realidade de que Deus está ao alcance de todos (sendo assim, não é cabível apenas uma definição de fé), que fez com que eu desse mais um passo na pesquisa que é de não negar a experiência de uma salvação que se dá na história. Assim uma mudança na religião (instituição) a partir de influências externas só seria possível após uma releitura de si, onde mudanças religiosas não seriam violentas para seus adeptos e muito menos a si mesmo. A leitura do outro é valiosa para uma religião, contudo não quer dizer que seja válida.
Portanto cabe ao cristianismo continuar a fazer sua leitura da realidade a partir de Cristo, que é seu crivo máximo, não esquecendo que sua releitura deve ser racional e coerente. Deve perceber que não possui a fórmula para a salvação do homem, contudo experimenta dessa salvação. O cristianismo deve entender que religião não é ter as respostas soteriológicas de forma exclusiva, mas fazer uma leitura honesta e sincera da realidade a partir da revelação.
Minha pesquisa conclui que o dogmatismo é importante, contudo não é a suma do que é ser cristão. Demonstrei que o dogmatismo pode levar à negação da própria história de salvação. Esta salvação se dá no experimentar da vida que Deus proporciona e não no ato da conceituação da experiência. A conceituação sobre o que seja salvação deve ser o alvo da dogmatização, mas o estabelecimento de parâmetros soteriológicos, algo que é comum no ato da dogmatização, deve ser muito bem observado, já que corre o risco de negar o próprio ato de se experimentar dessa salvação. Salientei em meu último capítulo que o dogma faz parte da história do ser humano, mas que este deve existir para o próprio ser humano e não vice-versa. Portanto a religião deve ser vista como algo que abarca conceituações, sem se esquecer de experimentações e novas releituras sobre a vida.
A pesquisa não pretendeu contrariar a visão soteriológica do cristianismo e muito menos de anulá-la. O que se buscou foi mostrar o desenvolvimento soteriológico que o cristianismo experimenta e proporciona deixando claro que grande parte da elaboração soteriológica dada pelo cristianismo ao mundo são relevantes para um certo período de tempo, já que se é possível novas elaborações soteriológicas através da história.
Não foi de intuito desta pesquisa dizer qual religião possui a salvação, mas mostrar que o cristianismo assim como as demais, enquanto portadora do termo “religião”, buscam a salvação e a experimentam. A pesquisa não procura apresentar a fórmula correta da soteriologia para o ser humano, já que a pesquisa limita-se às transformações que o termo “religião” sofreu na história e suas implicações para a elaboração soteriológica que o cristianismo apresenta hoje. Em outras palavras, a pesquisa questiona as religiões em geral e o cristianismo mais especificamente sobre o que pensam ser a religião.
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