terça-feira, 4 de outubro de 2011

Características das Religiões Africanas

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pela figura. Os méritos são dos autores.


Três religiões dominam a África moderna. O cristianismo se encontra sobretudo no Sul e ao longo dos litorais leste e oeste. O centro do islã fica na África setentrional árabe, mas historicamente essa religião sempre teve penetração também ao sul do Saara. Há, por fim, as religiões primais, ou tribais, ou tradicionais, as mais difundidas antes da invasão cultural ocidental e árabe. Na África moderna, a estrutura tradicional baseada na aldeia está desaparecendo e, juntamente com ela, o fundamento das antigas religiões, que era a vida familiar e tribal.

As religiões africanas tradicionais não têm textos escritos, o que torna seu estudo difícil para os pesquisadores. Boa parte do conhecimento que temos sobre essas religiões, reunido durante os últimos séculos, apóia-se nos relatos de observadores europeus, sejam eles mercadores, colonizadores ou missionários. Tais descrições são muito influenciadas pelas constantes comparações entre a vida religiosa e cultural do local e o cristianismo e a cultura ocidental. Mais recentemente, etnólogos e antropólogos sociais vêm se utilizando de métodos científicos modernos para estudar as religiões africanas, porém mesmo eles as vêem de uma perspectiva externa.

Uma fonte de conhecimento sobre as religiões africanas são os mitos que sobreviveram por meio da tradição oral, mas também se deve considerar que o conteúdo das histórias contadas pode ter se alterado ao longo das gerações. As religiões primais, assim como todas as outras, são influenciadas por fatores externos, e muitas adotaram elementos do islã ou do cristianismo. Uma característica das religiões africanas mais recentes são os milhares de movimentos sincretistas que surgiram em torno das missões cristãs.

Ao agrupar as religiões africanas sob um só rótulo, deve-se ter em mente que seu número equivale ao de povos existentes na África. Cada uma tem seu próprio nome para Deus, seus próprios rituais de culto, suas idiossincrasias. Por outro lado, elas apresentam também muitos traços em comum, pois os africanos não viveram uma existência estática, isolada. Sua história fala de diversas migrações, dos contatos que cruzaram as divisões tribais e da formação de grandes Estados. É necessário notar ainda que a maioria dos africanos não urbanos são agricultores e criadores de gado. Há apenas alguns grupos de caçadores-coletores. 

PAPEL ESSENCIAL DA TRIBO E DA FAMÍLIA

O termo tribal, quando associado às religiões africanas, oferece-nos uma chave para compreender algo essencial sobre elas.

A tribo — ou o clã, grupo de parentesco ou família extensa — forma o arcabouço para a existência diária do africano. O respeito por essa instituição é mais importante do que o respeito pelo indivíduo.

O que é especial no conceito que esses africanos têm de família (ou tribo) é que ela compreende, além dos vivos, os mortos. O ancestral permanece próximo à tribo; torna-se uma espécie de espírito vivendo num mundo à parte, ou pairando sobre o lar para garantir que seus descendentes observem os costumes.

O costume, ou a organização da sociedade, ou ainda a "constituição", para usar um nome mais moderno, foi estabelecido quando a tribo passou a existir, numa época que os mitos chamam de "o princípio dos tempos". O dever dos vivos é assegurar a preservação dessa organização, o que se consegue obedecendo cuidadosamente a todas as regras e, acima de tudo, fazendo sacrifícios aos espíritos dos ancestrais.

Entretanto, a família não consiste apenas nos vivos e nos mortos, mas também nos ainda não nascidos, nos descendentes. E dever do indivíduo dar continuidade à família. Um dos piores infortúnios pessoais é morrer sem deixar filhos.

Quando uma família se extingue, a conexão dos espíritos ancestrais com a Terra é cortada, pois não sobra ninguém para manter contato com eles. Assim, se um homem tem mais de uma esposa e gera muitos filhos, sua alma fica em paz. Ele sabe que depois da morte sua alma não será forçada a vagar pelo espaço vazio, desconectada da Terra, pois estará sempre ligada a alguém.

Uma das tarefas mais importantes do homem é tomar conta do território que foi outorgado à tribo por seus pais fundadores, terra que, por sua vez, será passada aos descendentes dele. Em outras palavras, não há propriedade privada da terra e ela não pode ser vendida aos pedaços.

O Chefe Tribal

A tribo é liderada por um chefe ou rei. O papel do rei e seu poder variam de tribo para tribo e sofreram mudanças no decorrer da história, em particular depois da colonização da África pelas potências européias.

O rei não é apenas um líder político, mas ainda um juiz em exercício, o guardião da justiça e da lei. Com muita freqüência, é ele também o sacerdote responsável pelos sacrifícios da tribo.

O motivo por que o rei acumula todas essas diferentes funções é que não há uma demarcação clara entre política, religião, lei e moral. Cada uma dessas formas é parte do princípio — o costume — sobre o qual aquela sociedade tribal está construída.

O rei é o guardião cotidiano desses preceitos; ele personifica o contato com os antepassados, com a tradição. E também o representante dos deuses na Terra, bem como porta-voz dos homens perante os deuses.

Deuses e Espíritos

Baseando-se nos mitos, que nunca eram escritos, mas passados oralmente de geração em geração, os estudiosos já tentaram descobrir o que caracteriza a crença divina dos africanos.

Na maioria das tribos existe a crença num deus supremo, embora este receba muitos nomes. Normalmente associado ao céu, é ele que concede a fertilidade, e em alguns mitos é representado ao lado da deusa associada à terra.

Foi esse deus supremo que criou todas as coisas vivas, os animais e o ser humano. Foi ele ainda o responsável pelos decretos que regulam a sociedade, pelos costumes a que a tribo tem o dever de obedecer. Com freqüência ele é também o deus do destino, que governa a vida dos seres humanos e controla a boa ou má fortuna da tribo.

Às vezes, esse ser supremo é chamado de "deus em repouso", por estar remotamente afastado da vida cotidiana. Certos mitos relatam que havia um contato íntimo entre o deus e o homem no início dos tempos, quando tudo era bom; só que houve um desentendimento e o deus se afastou. É apenas em circunstâncias excepcionais, quando as pessoas estão passando por graves necessidades, que elas recorrem ao deus supremo. De modo geral, não precisam perturbá-lo, preferindo se voltar para deuses e espíritos menores.

Esses outros deuses, forças e espíritos se encontram nas florestas, nas planícies e nas montanhas, nos rios e nos lagos. São intimamente associados a fenômenos naturais distintos: o raio e o trovão, as grandes cachoeiras, uma primavera quente, alguma árvore enorme ou uma rocha com formato estranho. A religião ganda, praticada pelo povo Baganda, de Uganda, tem um deus supremo chamado Katonda, porém o culto mais importante se dirige a uma constelação de divindades menores. Uma delas é o deus da água, Mukasa, o qual governa a fertilidade e a saúde. Há ainda o deus da guerra, Kibuka, que no passado exigia sacrifícios humanos. Também é costumeiro tratar os espíritos dos mortos com respeito; o culto aos antepassados é um dos aspectos mais típicos da religião africana.

Culto aos Antepassados

Os antepassados são invisíveis, mas acredita-se que mantenham a aparência que tinham em vida, ou talvez sejam um pouco menores.

Os africanos não têm nenhum conceito de divisão entre corpo e alma e não crêem que é a alma que sobrevive. Os espíritos já foram comparados a sombras ou duplos dos mortos, capazes de estar em vários lugares ao mesmo tempo: no túmulo, no mundo dos mortos ou em fenômenos próximos ao homem.

Uma noção comum é que os mortos vivem no mundo deles da mesma maneira que viviam neste. Até seu status social é mantido. Eles se revelam aos vivos sobretudo em sonhos, mas também como animais e outros objetos naturais.

Cada homem adulto que morre se torna um espírito ancestral ou um deus ancestral para os que ficaram vivos, mas nem todos exercem o mesmo papel, nem constituem objetos do mesmo culto. Os mais importantes são os espíritos dos pais de família, dos patriarcas e dos chefes da tribo. O homem que é considerado o pai fundador de uma linhagem de chefes com freqüência é cultuado como um deus acima de todos os outros, uma divindade nacional.

Culto aos antepassados é uma expressão que implica interação entre os vivos e os mortos. Os vivos obtêm força e socorro de seus ancestrais; ao mesmo tempo, os mortos dependem das oferendas de seus descendentes: é por meio desses sacrifícios que adquirem sua força e potência. Se não receberem oferendas, irão "morrer", isto é, cessar completamente de existir.

Fazer um sacrifício a um ancestral pode ser algo bastante simples. Um membro da tribo vai até o túmulo de seu pai, por exemplo, oferece uma pequena quantidade de comida e bebida, e pede ajuda para resolver uma situação difícil.

Mais comum é a oferenda familiar coletiva. Estaé comandada pelo chefe da família e presta homenagem aos pais já falecidos, os espíritos mais proeminentes. Ter status é fundamental, e o chefe da família é o único que tem o direito de fazer esse sacrifício; só que ele o faz em nome de toda a sua família.

O chefe da tribo é responsável pelos sacrifícios do grupo mais extenso. Em nome de toda a tribo, ele se dirige aos espíritos de antigos chefes e faz orações pedindo uma boa caça ou uma boa safra. Na época da colheita, os primeiros frutos são oferecidos aos espíritos dos chefes. Selecionam-se os melhores produtos em honra dos espíritos, e com o acompanhamento de orações, cantos e danças, as pessoas — em geral usando máscaras e outros adornos — expressam sua gratidão e oram para continuar tendo proteção.

OS ESPECIALISTAS EM RELIGIÃO

O papel do chefe ou rei muitas vezes inclui as funções de sacerdote, mas há também uma série de outros especialistas religiosos: curandeiros, adivinhos, oráculos, profetas e magos fazedores de chuva.

Curandeiros

Nganga é uma palavra empregada entre os povos de idioma banto, no Sul da África, e pode ser traduzida simplesmente por "médico" ou "doutor". O nganga é bastante familiarizado com muitas das causas físicas das doenças, e utiliza ervas e plantas da medicina popular em sua prática médica. O tratamento, porém, costuma ser acompanhado de amuletos e fórmulas mágicas para controlar os espíritos maus. É uma crença comum a existência de "bruxas" e "feiticeiros", pessoas que tentam fazer mal aos outros usando, por exemplo, a magia negra. A tarefa do curandeiro é anular o feitiço, possivelmente empregando os mesmos métodos mágicos.

Magia

A magia é definida como "a capacidade de influenciar os acontecimentos aliciando os seres espirituais ou ativando forças naturais ocultas". Muitas sociedades tribais africanas têm fazedores de chuva. Eles usam a chamada magia homeopática quando querem que chova ou quando querem que a chuva cesse. Se querem chuva, podem, por exemplo, imitar seu ruído despejando água numa peneira. Podem também saltitar agachados, coaxando, como fazem os sapos quando chove. Ou ainda podem cobrir a cabeça com uma folha de palmeira, fingindo que está chovendo. Se, por outro lado, querem que a chuva cesse, podem acender uma fogueira imitando o sol. A magia homeopática se baseia no princípio "semelhante atrai semelhante". Acredita-se na existência de uma conexão entre dois fenômenos que se parecem. Se se cria uma situação de chuva, a chuva ne- cessariamente tem que cair.

Outro tipo é a magia de contágio, a qual age segundo o princípio de que há uma conexão entre as partes e o todo. Se, por exemplo, alguém possui algo — uma peça de roupa, alguns fios de cabelo ou um fragmento de unha — que pertence a um inimigo, terá poder sobre este. Se qualquer uma dessas coisas for agredida, seu possuidor também sofrerá. É igualmente comum considerar que o nome é parte da pessoa. Assim, em muitos lugares as pessoas receiam dizer seu nome, temendo que alguém possa utilizá-lo para fazer mal a elas.

Adivinhação e Profecia

Os adivinhos são especialistas em interpretar as mensagens dos espíritos. Alguns curandeiros são adivinhos e empregam suas técnicas parafazer diagnósticos. Mas os adivinhos também podem
aconselhar sobre o que fazer numa determinada situação ou sobre como apaziguar a ira dos deuses.

Eles possuem muitas técnicas. O adivinho pode usar, por exemplo, um cesto contendo vários objetos. Cada um deles tem um significado simbólico; cada um indica certa situação ou característica humana. Quando se sacode a cesta, os objetos saem do lugar; o adivinho então examina quais objetos ficaram por cima e suas posições relativas.

Atirar objetos para o ar e ver de que maneira caem também é uma prática comum. Os adivinhos pertencentes ao povo Chona, do Zimbábue, utilizavam quatro pedaços de osso ou de madeira, que representavam um velho, uma velha, um rapaz e uma moça, e tinham marcas mostrando seu lado de cima e seu lado de baixo. Com base nas posições relativas desses objetos ao caírem ao chão, o adivinho tirava suas conclusões.

Não se trata apenas de algo como tirar a sorte com números ou jogar cara-ou-coroa. O adivinho considera que a resposta obtida é uma mensagem vinda dos espíritos ou dos deuses. Mas eles também podem se manifestar diretamente, por intermédio de certos indivíduos especiais. Usando a música e a dança, esses indivíduos entram em transe e ficam "possuídos" por um espírito, que se faz conhecer e pode ser interrogado pela pessoa que está possuída. Tais indivíduos são valiosos conselheiros na comunidade e desfrutam de um status elevado no culto. Outros atuam como profetas independentes.

Ritos de Passagem

Alguns especialistas religiosos são responsáveis pela vida ritual. De especial importância são os ritos de passagem associados com o nascimento, a morte, a puberdade e o casamento.

Quando os meninos da tribo passam da infância para a idade adulta, devem se submeter aos chamados ritos da puberdade. Os Baluba, um povo banto, começam isolando os meninos do resto da comunidade e sobretudo das mulheres, até mesmo de suas mães. Eles são então circuncidados e enviados à floresta para um duro teste de várias semanas durante o qual aprenderão também as crenças e os costumes de seus antepassados. Quando por fim retornam à aldeia, são considerados homens adultos, prontos para casar e ter filhos.

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 89-96.

5 comentários:

  1. Por favor seja um pouco mais significativo para que eu possa entender melhor??!!

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    1. Neste post você encontra uma explicação das características africanas nas religiões de lá. Esse é o significante que talvez você não percebeu. Abração

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