Elaborado por: Súsie Helena Ribeiro e Dalton Said Henriques
1- IMPORTÂNCIA
O extrato javista é considerado o principal entre as fontes escritas do Pentateuco. Segundo Martin Noth, "contém o elemento teológico mais significativo que se expressa na narração do Pentateuco", a idéia radical da culpa humana (Gn 6.5; 8.21) e a promessa de bênção sobre "todas as famílias da terra" (12:3). Trata-se de uma obra histórica muito antiga. Segundo J. Hempel, o javista foi o "primeiro a conceber a idéia de uma história universal em cujo marco o acontecimento de Israel possui uma função muito determinada e decisiva".
O javista foi o primeiro a fixar por escrito o esquema do Pentateuco, desde a história primitiva até a conquista de Canaã. A obra específica do javista parece ter sido, em realidade, o pórtico ou prólogo da história primitiva (Gn 1 ao 11), onde posteriormente, o tardio escrito sacerdotal tem alguma parte; o eloísta se preocupa da época patriarcal, conservando, assim, o estrato mais antigo da tradição.
2- LIMITES
Costuma-se tomar o relato da criação e do paraíso terreno (Gn 2.4bss) como o início da obra histórica javista. Seu final é um tanto discutido. Sobre o tema há três teorias principais:
a- Uma opinião antiga atribui ao javista, além do Pentateuco, os livros de Josué, Juízes e Samuel, até a divisão dos reinos. Essa opinião não encontrou suficiente base de sustentação.
b- Segundo outra concepção, ainda mantida por alguns autores, a redação javista chega até a conquista de Canaã, isto é, até Jz 1 ou às narrações do livro de Js. É possível que o documento javista se referisse originalmente à conquista. Ele tanto fala da terra prometida (Gn 28.15; 12.1,7; Nm 10.29; etc), como contém, em Nm 32, outras indicações sobre a imigração das tribos ao Jordão oriental (cf. também Nm 13.18ss). De qualquer forma, não tem sido possível, até agora, provar, de uma forma convincente, a existência de textos javistas fora do Pentateuco.
c- A opinião mais comum e mais provável é a de M. Noth: a conclusão da obra javista (com relato da conquista de Canaã) se perdeu quando a obra se integrou no escrito sacerdotal ou no Pentateuco. O final que ainda se conserva está praticamente na extensa perícope de Balaão (Nm 22 e 24), seguido de algumas frases soltas em Nm 25 (vv. 1-5) e 32. Assim, só existem fragmentos javistas identificáveis nos livros de Gênesis, Êxodo e Números.
O javista, daqui pro diante J, relata amplamente a história primitiva (Gn 2-4; 6-8; 9.18ss; 11.1-9; etc), a época patriarcal (12-13; 18-19; 24; 28.10ss; à perícope do Sinai em Ex 19). Entre os textos geralmente atribuídos a J há alguns, como Gn 15 (aliança com Abreaão), Ex 34 (decálogo cúltico), ou Ex 4, que são particularmente discutidos.
3- SITUAÇÃO
Crê-se que o documento J surgiu no período do esplendor salomônico, por volta de 950 a.C. Essa época oferecia as bases materiais mínimas, com a existência de uma escola de escritores na corte real, para uma obra de tal magnitude. Ao mesmo tempo, a atmosfera internacional (dependência dos países vizinhos, comércio) criava condições favoráveis para se refletir sobre as relações entre Israel e os outros povos.
Os principais argumentos em favor dessa data antiga são:
a- As novidades do primeiro período monárquico teriam levado os israelitas a voltar seus olhares para o passado próximo e remoto, já que os relatos da ascensão de Davi e da sucessão ao trono (1Sm 16 a Rs 2) são mais ou menos simultâneos e afins com o javista.
b- O javista faz menção em sua obra dos povos vizinhos (cananeus, Gn 9.18ss; filisteus, Gn 26; arameus, Gn 29s; os reinos de Amon, Moab e Edom)que estiveram muito envolvidos com Israel durante a era de Davi e Salomão (cf. especialmente 2 Sm 8).
c- O relato de Noé como viticultor (Gn 9.18-25) que tem por objeto sublinhar a maldição de Canaã e seu submetimento a Sem (isto é, a Israel) e a Jafé (isto é, aos filisteus): "Bendito seja Javé, Deus de Sem. Seja Canaã servo dos dois", pressopõe as circunstâncias do grande reino davídico.Também se pode mencionar a alusão indireta a Davi como "estrela de Jacó" (Nm 2.1; 15-19) e o submetimento e a libertação de Edom no tempo de Salomão (cf. Gn 25.23; 27.40a com 2Sm 8.13ss; Gn 27.40b acrescentando conforme 1 Rs 11.14ss).
d- O fato de que J assuma em sua exposição algumas tradições de Judá (Gn 38) ou do sul (Gn 4; 19; também Nm 13s; 16) está em consonância com a posição que ostentava Judá desde o reinado de Davi (2 Sm 2).
e- A descrição da escravidão de Israel no Egito (Ex 1.11) parece ter por base as circunstâncias da atividade construtora de Salomão (1 Rs 9.15, 19; cf. 5.9; 11.28) os povos subjugados foram empregados nos trabalhos de construção. Assim, o surgimento da obra javista pôde coincidir, aproximadamente, com o período construtivo de Salomão.
f- Trata-se de uma época não apenas de florescimento político e econômico, mas também cultural: é a "ilustração salomônica" (conforme von Rad). O javista revela uma grande cultura sua familiaridade com a corrente sapiencial que, talvez se cultivava naquela escola de funcionários. A própria história primitiva talvez seja uma resposta narrativa à pergunta sapiencial sobre a natureza do homem.
Alguns dos argumentos utilizados para explicar a origem temporal do javista são também válidos para a questão da origem local, isto é, servem para explicar sua época e o local de origem. A luz das tradições tomadas do sul costuma-se considerar o javista como oriundo do reino meridional de Judá, e talvez tenhamos de atribuir sua procedência ao campo, ao interior, e nõ à capital, já que ele nõ oferece representações ou imagens tipicamente jerosolimitanas.
4- UNIDADE
Uma vez diferenciados P, E e as adições redacionais formam as partes javistas uma unidade? Alguns investigadores têm dividido o material básico em duas fontes: o javista antigo e o javista recente. Contudo, é melhor renunciar a essa subdivisão de fontes. Existem, sem dúvida, nos fragmentos javistas contrastes muito evidentes. A tabela dos povos de Gn 10 e o relato da construção da torre não se harmonizam, enquanto que Gn 11 supõe ainda a unidade dos seres humanos. Em Gn 4.17ss fala-se das conquistas culturais sem se levar em conta que elas teriam sido destruídas pelo grande dilúvio (Gn 6s).
5- INTENÇÕES TEOLÓGICAS
5.1- Dimensão Universal
A obra javista e, posteriormente, o Pentateuco, apresenta uma dimensão universal, graças ao relato preliminar sobre as origens. Quando o javista (em contraposição a E e P) emprega o nome Javé desde a criação supõe que os homens o adoram desde o princípio (Gn 4.26, acréscimo; cf. 8.20; 9.26), o deus do povo israelita aparece como juiz dos povos (Gn 4; cf. 24.3, 7). O javista, em seu relato da história primitiva, escreve o destino do homem em sua alternativa: multiplicação e diminuição, poder e impotência, graça e justiça.
O relato da criação em Gn 2.4bss difere profundamente, em seu horizonte e sua dinâmica, de Gn 1 (P): no primeiro caso aparece a dimensão cósmica; no segundo, o mundo limitado do camponês. No primeiro caso, a água precisa ser controlada (do caos ao mar); no segundo, é elemento fecundante, que transforma o deserto em terra cultivo. Teríamos aqui, talvez uma tradição babilônica, no primeiro caso, e uma tradição palestina, no segundo. Em contraste com P (1.1-2.4a), Deus não cria a humanidade, mas dois indivíduos, a posse o outro. Não dá sua aprovação à sua criação (2.18), porque o homem, a quem ele formou da argila (2.7; cf Jr 18.3ss), está só. Mas obtém êxito na segunda tentativa: o homem não encontra seu semelhante entre os animais, que lhe ficam submetidos, mas na mulher, a “ajuda semelhante a ele”, e assim se converte em varão (2.19ss).
O relato assinala, pois (contra 1 Co 11.7s; 1 Tm 2.11s), a igualdade do homem da mulher na criação; e a submissão da primeira ao segundo é conseqüência da maldição (Gn 3.16).
Mas, em contraste com Gn 1 (P), a história javista da criação não possui um significado independente. Ela serve para estabelecer as bases para o relato do paraíso. O javista vê, desde o princípio (frente à justaposição de Gn 1.31; 6.13 P) a culpa e a dor, e bem e o mal relacionados mais intimamente entre si. Por esta razão os relatos da criação e do paraíso terrenal, que originalmente eram independentes, aparecem entrelaçados: o homem reage diante de Deus que lhe dera o jardim como espaço vital e lugar de trabalho (2.8, 15), com dúvidas e com desobediência. Apesar disso, Deus não cumpre sua ameaça (2.17), mas lhe concede graça no juízo e preserva o homem do pior, prestando-lhe proteção (3:21 contra 3:7), não obstante a dureza do castigo: maldição sobre o trabalho humano, bloqueio do acesso à vida perpétua, expulsão do jardim (3:14ss). As palavras de maldição dão origem, etiologicamente, às atuais condições da vida com suas misérias, com as dores da mulher no parto, ou as penalidades do homem para ganhar seu sustento. Mas não trazem ao homem a morte imediata, nem lhe condenam à mortalidade (contra Rm 5.12). Já a procedência do homem do “pó” – e do sopro divino – alude a sua finitude (cf. 2.7 com 3.19; também Ec 12.7; Jó 10.9).
O relato de Caim Abel em Gênesis 4 remonta a uma tradição que explica o fenômeno dos quenitas a partir da perspectiva israelita: também são adoradores de Javé, mas sem a posse de terras, o seu antepassado o Caim traz em si um sinal de Javé, mas é inconstante e errante (4:14s; cf. Jz 1.16). Esse relato tribal se generalizou em escala universal no marco da história javista original, e descreve imagens arcaicas, depois de Gênesis 2, que apresenta a situação entre Deus e o homem e entre o homem e mulher, outra possibilidade, negativa, da existência humana: as relações entre irmãos como seres antagônicos e hostis. Deste modo, Gênesis 4 fala, sem dúvida, de um agravamento da maldade humana. Ambos relatos estão conectados por afinidades e estruturais da (“Onde estás? – Onde está teu irmão?”; 3.9 4.9; maldição do solo e maldição de Caim,3.17; 4.11)”. Como Deus ao expulsar Adão do jardim, não deixa indefeso, ao rejeitar a Caim, tampouco o priva de proteção, preservando os ataques mortais mediante um sinal.
5. 2 A maldade do homem
O javista mergulha na maldade insondável do homem, sendo somente igualado, mais tarde, por Jeremias (13.23) ou salmista ( 51.7; também 1Rs 8.46; Pv 20.9; etc): “O coração do homem se perverte desde a juventude” (Gênesis 8.21; 6.5).
Como Gênesis 3ss, também o relato do dilúvio em Gênesis 6-8 apresenta o tema da conservação da humanidade: Deus pode aniquilar o que criou, mas ele tem compaixão de um homem. J interpreta uma tradição universal sob uma dupla perspectiva: em primeiro lugar, J justifica o dilúvio com a maldade do homem. Deus tem razão. O castigo se explica pelo comportamento pecaminoso do homem. Em segundo lugar, a tradição popular sobre a “honradez” de Noé (Ez 14. 14,20; cf. Gn 6.9 P; 5.29 J) e remodelada de forma passiva: Noé “Achou graça” (6.8), foi considerado como “O homem honrado” (7.1; cf. 18.3; 19.19). Assim, evita-se atribuir à moralidade e piedade de o Noé seu privilégio de ser o “Resto” no meio da massa corrompida (como faz hb11.7) .
Por outro lado J tampouco pinta seus protagonistas como figuras ideais : nem Abraão (Gn 12.10ss; 16), nem Jacó (Gn27), nem Moisés (Ex 2) aparecem como gente virtuosa ou modelo de conduta.
O castigo de Deus não melhora o homem. Este continua sendo o mesmo de antes (Gn8.21; cf.18.20ss). Esta visão da realidade, desenvolvida narrativamente por J sem uma verdadeira noção de “pecado”, não vale só para Israel. O javista lança, a partir da fé, um juízo sobre o homem em geral (cf. Rm 7).
Através de diversos relatos de Gn 2-8 aparece uma estrutura básica e uma dinâmica que se pode expressar pelos seguintes estágios: providência salvadora de Deus, culpa do homem, acolhida misericordiosa e novo começo.
5. 3 Maldições e bênçãos
O javista interpreta as tradições inserindo em lugares decisivos, palavras de Javé que contém pensamentos teológicos orientados (Gn 2.16s; 3.14-19; etc). Se na história dos patriarcas as palavras de Deus são promessas, na história primitiva elas apresentam um caráter de ameaça ou de castigo... com uma importante exceção: a promessa de não amaldiçoar, isto é, não danificar mais a terra ( 8.21s). Mas ainda não se rompe a seqüência pecado-castigo (Gn 11); antes, supõe-se a idéia israelita de história segundo a qual a época patriarcal, com a vocação de Abraão, conclui o período arcaico.
Assim, a bênção de Gn 12.1-3 é a conclusão da história primitiva, término de suas maldições (3.14,17; 4.11; 5.29 9.25) e a abertura de um futuro venturoso. A humanidade, em estado de desgraça, tem necessidade da ajuda oferecida por Deus a Abraão: “A história primitiva explica porque todas as famílias da terra precisam da bênção” (H. W. Wolff). Os temas patriarcais da descendência e da posse da terra (cf. 12.6; 28.13s) adquirem a uma dimensão geral e preparam a promessa universal de Gênesis 12.3: “Abençoarei aos que te abençoarem, / amaldiçoarei aos que te amaldiçoarem; / em teu nome serão abençoadas / todas as famílias da terra”.
Na pessoa de Abraão se decide a sorte da humanidade. Todos hão de participar de sua bênção. Estaria o javista, com esta promessa, se opondo a soberba de seu tempo? Não se fala explicitamente de uma situação histórica. A fórmula sugere tampouco um futuro diferente da realidade política da própria era davídico-salomônica. Embora reservada, do ponto de vista escatológico (como as demais fontes do Pentateuco), ela interpreta tradição patriarcal de um modo novo e universal, e oferece uma espécie de “Sentido global” ao ciclo patriarcal.
A promessa de bênção se reitera várias vezes na exposição javista (Gn 18.18; 24.14;etc.), e é o próprio Faraó que confirma o seu cumprimento: “Os israelitas estão se tornando mais fortes e mais numerosos do que nós” (Ex 1.9). Já os relatos de Isaac, Jacó e José, o tema da bênção se manifesta também com vigor através da promessa da assistência divina: “Eu estarei contigo” (Gn e 6.3, 24,28; etc.), no caso, por exemplo, das experiências de Davi. Ela é vista como razão para o êxito individual ou coletivo.
5.4 A Onipotência de Javé
Outra intenção peculiar do javista se revela em Ex 5-14, quando apresenta os relatos das pragas como símbolos das relações dos opressores estrangeiros com Javé. O tema é introduzido com a pergunta insolente de Faraó a Javé (5.2): “Quem Javé para que eu lhe obedeça, deixando-os sair os filhos de Israel? Não conheço Javé”. Os acontecimentos posteriores obrigarão o Faraó a “reconhecer” a Javé como Deus verdadeiro (7.17; 8.6,18; cf. 10.3; etc). Faraó se rende a Javé, confessando-se culpável (9.27; 10.16), e pede a Moisés que interceda por ele (8.4,24; 9.28; etc). Como a salvação e a desgraça da humanidade dependem de sua relação com Abraão, Faraó pode participar da bênção de Israel se não permanecer em sua obstinação. Em sua impotência ele tem que ver e experimentar o poder de Javé (14.25).
O poder de Javé se revela também outros materiais de tradição, inclusive onde se percebe um certo sentido de transcendência, mesmo dentro de um contexto profundamente antropomórfico. Deus não habita na terra, nem na sarça ardente, nem no Sinai, mas “desce” para intervir nos acontecimentos.
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Responda você mesmo à pergunta: Moisés escreveu o Pentateuco?
Seria muito interessante se os articulistas colocassem a bibliografia, isto é. a fonte, obras, livros e autores pesquisados, resumidos, resenhados ou compilados.
ResponderExcluirExemplo: SCHMIDT, Werner H. Introdução ao antigo testamento. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1994.
Além das páginas pesquisadas. para que o trabalho tenha peso academico.
Pois é. O interessante é que a Súsie foi minha professora e ela sempre nos alertava qunto às fontes usadas nas pesquisas. Neste trabalho que eu peguei dela não achei sequer uma. Boa observação.
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