sábado, 27 de fevereiro de 2010

Resenha: Mística e Espiritualidade

Por Carlos Chagas



Os desafios ao cristão na pós-modernidade

BETTO, Frei; BOFF, Leonardo. Mística e espiritualidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

Frei Betto é um frade dominicano que se ingressou na vida religiosa com intenções últimas de encontrar sentido não só para sua vida como para as comunidades de base; os pobres e excluídos. Este não é diferente de Leonardo Boff, fundador da teologia Latino-Americana conhecida como Teologia da Libertação. Boff escreveu mais de 50 livros baseado nesta teologia. Até o ano de 1994 Boff era professor de Ética na UERJ.

No livro Mística e Espiritualidade, Betto e Boff escrevem, de forma objetiva e ousada, os possíveis conceitos sobre tais temas. O raciocínio de ambos pode ser dividido em 3 partes distintas: Na primeira parte, os autores falam, de forma geral, sobre o que é mística e espiritualidade, tanto cristã, como não-cristã. Na segunda, Betto e Boff comparam a mística e espiritualidade ocidental com a oriental, tentando um vínculo entre ambas sem ferir a mensagem bíblica. Já na terceira parte, os autores trabalham os desafios de tais conceitos quando aplicados no cotidiano.

Primeiramente o livro trata sobre o conceito do termo “mística”. O que é mística? Boff argumenta que mística tem haver com mistério, algo que ainda não foi descoberto pelo homem no nível da razão. A teologia vem com a finalidade de desvendar esta mística para a razão (doutrina), prática (ética) e para a celebração (liturgia). Ainda segundo Boff, Deus busca se relacionar misticamente com o homem, especialmente com o crucificado, devido ao fato de este ter se esvaziado dos conceitos centrados em si próprio.

Logo a seguir Betto propõe uma aplicação dos conceitos orientais sobre mística e espiritualidade juntamente com os conceitos ocidentais. Porém, não é uma tarefa muito fácil, pois o ocidente é fortemente influenciado pelo helenismo e sua filosofia, especialmente a de Platão. Tanto Betto quanto Boff criticam a idéia do Reino de Deus ser nos céus, e colocam passagens bíblicas que confrontam este argumento. Em um dado momento, Boff diz que Jesus propõem uma vida boa na terra, mostrando aos discípulos que os lírios se vestem bem; que os pássaros comem bem aqui na terra; que todos podem ser curados, tanto de enfermidades como de feridas da alma, também aqui na terra; que ele, Jesus, estaria com todos até a consumação dos séculos, mas que em tempos hodiernos, os discípulos, segundo Boff, dizem a Jesus: “Ainda queremos o CÉU...”. O que Boff quer tratar aqui é simplesmente a questão do amor, tão pregado por Jesus. Como pode alguém querer tanto o céu e viver desesperadamente por este ideal platônico e ainda amar o seu próximo? Em outras palavras, como falar de amor se este sentimento só tem sentido quando praticado? O amor de Jesus deve ser vivido agora e não no céu. Aliás, os autores discordam da existência deste céu escatológico. O céu é aqui segundo eles. O Reino de Deus já iniciou e culminará, em sua plenitude, na face da terra.

Por fim, os autores lançam os desafios. Como fazer teologia sem se prender em uma gaiola, ou melhor, sem também prender Deus em uma gaiola. A experiência mística não tem fórmula. Cristãos e não-cristãos podem experimentar desta maravilha. E aí entra a questão: se isto vem à prática, deve ser considerado que a Igreja não é portadora da verdade completa. E caso o cristão venha abraçar a causa de apoiar os não-cristãos, deve estar preparado para o rompimento com a igreja-institucional. Segundo os autores, Deus se revela na “merda”, termo usado por um dos autores do livro. É lá que a verdadeira espiritualidade acontece e não em cima do monte.
O que vale ressaltar é o seguinte: Como alcançar realmente Deus sem que se caia no relativismo? Se cada um tem sua experiência mística, dotada de “parte da verdade”, segue-se o raciocínio que a Bíblia também é “parte da verdade”. E a Inspiração das Escrituras? Como que fica? E se todas as religiões tem um contato com “O Deus” deve-se afirmar que a Bíblia é mais um livro de um povo que teve “certas” experiências místicas e que serviu como ensinamento espiritual não muito diferente dos outros livros considerados divinos.

Porém, levando em consideração o raciocínio dos autores, pode-se dizer que a sombra da cruz de Cristo se faz presente nas demais religiões. É como se eles tivessem contato com a verdade ficando apenas o conhecimento pleno da Criação e Redenção Salvífica de Deus à mercê de um anúncio; o kérigma. A compreensão se torna mais fácil se for dito que as demais religiões têm certa e limitada compreensão de uma obra Cristológica, não plena, mas sim em partes, e que a compreensão se tornaria plena com o anúncio do Evangelho por algum cristão. Mas é claro que isto parte de um raciocínio Inclusivista, do qual o teólogo jesuíta Karl Rahner era defensor.
Esta obra é de extrema importância para aqueles que se sentem violados ou limitados com a filosofia platônica, da qual surge o “Deus Intocável e Frio”. Serve também para pessoas que têm um espírito aberto a aventuras teológicas e culturais, e para aqueles que também levam em consideração a frase de Jesus que é a seguinte: “ ...quem não é contra nós é por nós”. Se eles, os orientais, pregam o Reino, cabe ao teólogo analisar e não julgar.

Um comentário:

  1. olá;

    Obrigado pelo elogio. Quanto ao livro que vc mencionou ainda não li. Fica aí a dica. Assim que eu puder o lerei.

    Abração

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